Título: Mercado de carbono inova, mas cotação inibe projetos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2007, Internacional, p. A16

A cada ano, em média, uma porca e sua ninhada produzem o equivalente a 9,2 toneladas de dióxido de carbono, na forma de emissões de metano de seus dejetos. No passado, esse era um problema tanto para o ambiente como para os criadores de porcos. Nos países em desenvolvimento, os dejetos dos suínos acumulam-se em poças ou pequenas lagoas, que trazem mau cheiro e atraem moscas. Algumas vezes, fluem diretamente para os sistemas aqüíferos.

Agora o problema virou uma oportunidade. O grupo de commodities agrícolas Bunge constrói piscinas revestidas e fechadas, nas quais os dejetos são recolhidos, e captura o metano emitido. O fazendeiro pode usar o gás para gerar eletricidade. Ao evitar que o metano chegue à atmosfera, a Bunge cria um crédito que pode ser vendido no mercado de carbono. O fazendeiro fica com algo entre 20% e 30% do valor. A Bunge possui 40 projetos do tipo no Brasil e planeja expandi-los para México, Guatemala, Peru e Filipinas.

O mercado de carbono é inovador. Embora funcione como qualquer mercado de commodities, o que se compra e venda não existe. O comércio não é de carbono, na verdade, mas de "não-carbono". É de certificados atestando que um determinado número de toneladas de dióxido de carbono (ou o equivalente em outros gases que causam efeito estufa) não foi emitido pelo vendedor do crédito. O comprador, então, passa a poder emitir esse volume de gases.

O objetivo de criar o mercado era, primeiramente, estabelecer um preço para o carbono e, em segundo lugar, encorajar a redução das emissões, ao permitir que determinadas empresas, cujos custos para cortar a emissão são muito altos, comprem os créditos, mais baratos. Ambos tiveram sucesso, embora alguns possam contestar este segundo objetivo.

Agora existe um preço para o carbono, estabelecido pelo Esquema Europeu de Comércio de Emissões (ETS, na sigla em inglês). Na primeira fase, o preço foi volátil, porque as informações sobre as emissões industriais na Europa eram insuficientes. O mercado, então, foi abalado no início de 2006 quando se revelou que a Comissão Européia (CE) havia sido muito generosa nas permissões de poluição dadas à indústria. As concessões dessa primeira fase (2005 a 2008) agora quase não valem nada. A CE, contudo, aprendeu a lição e ficou mais rígida, o que elevou os preços na segunda fase.

A oferta de créditos de carbono vem, principalmente, de duas fontes. A primeira são as permissões dadas a empresas dos cinco setores industriais "sujos" cobertos pelo ETS: eletricidade, petróleo, metais, materiais de construção e papel. A segunda fonte está fora da Europa. A CE vinculou o ETS ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM, em inglês), criado sob o Protocolo de Kyoto. Isso permite que a redução das emissões em países em desenvolvimento, como nas fazendas de suínos na América Latina, seja certificada pela ONU. Esses Certificados de Reduções de Emissões (CERs, em inglês) podem, então, ser vendidos.

A demanda pelos créditos de carbono vem, em sua maioria, do ETS, de poluidores que precisam de certificados que lhes permitam emitir carbono. Também há uma certa procura no Japão, onde existe um esquema voluntário, e em outros países, de empresas ou pessoas físicas que querem compensar suas emissões por motivos morais ou para causar boa impressão.

O volume de negócios atualmente é considerável. Concessões no valor de 22,5 bilhões de euros foram negociadas no ano passado, segundo a empresa Point Carbon, o que representa 1,6 bilhão de toneladas de dióxido de carbono. É um grande aumento em relação aos 9,4 bilhões de euros negociados em 2005. O ETS europeu foi responsável por cerca de 80% do valor total.

Os CERs de países em desenvolvimento movimentaram em torno de 4 bilhões de euros do volume negociado no ano passado, o que equivale a 562 milhões de toneladas de gás carbônico. Segundo a consultoria New Carbon Finance, foram levantados fundos de carbono no valor de US$ 11,8 bilhões até agora. Metade do total é administrado em Londres. O banco de investimentos especializado Climate Change Capital levantou US$ 130 milhões para seu primeiro fundo de carbono, lançado em julho de 2005. O segundo, lançado um ano depois, tem agora cerca de US$ 1 bilhão. Segundo Tony White, do Climate Change Capital, o dinheiro do primeiro veio de fundos de hedge, que gostam de risco. Quando o segundo fundo foi lançado, investidores mais cautelosos, como fundos de pensão e bancos, também estavam preparados para aplicar recursos.

O dinheiro foi direcionado, em sua maior parte, para países em desenvolvimento com CERs. Os suinocultores brasileiros da Bunge ganham CERs com os dejetos de seus animais, mas a maior parte dos investimentos foi para conter as emissões de gases na China.

O pior deles é o HFC-23, um subproduto do HCFC-22, produto químico usado, entre outras coisas, em refrigeradores. Atualmente, está praticamente vetado no mundo desenvolvido. Seu efeito no aquecimento global é 11,7 mil vezes maior que o do dióxido de carbono, por isso é bom livrar-se dele. E é barato também. Atualmente, a China produz a maioria do HFC-23 do mundo. Isso - mais o fato de que é fácil negociar com o governo chinês - explica por que 53% dos projetos de CDM em 2006, um valor em torno a 3,5 bilhões de euros, foram para a China.

O baixo custo para se reduzir as emissões de HFC-23 traz polêmicas. Créditos que custam menos de 1 euro para serem produzidos vêm sendo vendidos por até 11 euros. As fábricas descobriram que seu nocivo subproduto, o HFC-23, poder acabar sendo mais valioso do que seu produto principal. O governo chinês, ao perceber quanto dinheiro há envolvido, impôs uma taxa de 65% sobre a receita e, em fevereiro deste ano, lançou seu próprio fundo CDM, de US$ 2 bilhões. Assim, os consumidores europeus que pagam pela redução das emissões de gases na eletricidade ou em outras contas contribuem com bilhões de dólares para os cofres do governo chinês, via o CDM.

As opções fáceis - o HFC-23 e outros gases industriais muito sujos (isto é, rentáveis) - acabarão em breve. Guy Turner, da New Carbon Finance, admite que os dias dos CERs com custo inferior a 1 euro para serem produzidos acabaram. Agora, o espectro de variação gira em torno de 1 a 5 euros. A industrialização chinesa é rápida e suja e não faltarão gases-estufa para serem "limpos" pelo dinheiro dos países ricos.

Essa é uma parte do problema. Pesquisa da Point Carbon revelou que 65% das empresas consultadas consideraram que o ETS as levou a reduzir suas emissões (acima dos 15% no ano anterior). Destes 65%, no entanto, a maioria estava mais inclinada a comprar créditos em vez de reduzir suas próprias emissões. Além disso, o objetivo do ETS é que tanto as emissões européias como as chinesas sejam cortadas.

Isso vem ocorrendo em pequena escala. Em certas ocasiões, o preço dos créditos de carbono fez valer a pena para as empresas de eletricidade trocarem os combustíveis sujos pelo gás, menos nocivo. "Reduzimos maciçamente nossa produção de linhito quando o preço do dióxido de carbono estava no pico", disse Alfred Hoffmann, diretor de gestão de carteira na Escandinávia e na Alemanha da empresa de eletricidade sueca Vattenfall. O linhito é ainda mais poluente que o carvão. Mas então os preços do gás subiram, tornando a troca menos atraente.

Os créditos de carbono trouxeram parte das inovações esperadas. A Shell, por exemplo, capta o dióxido de carbono de uma refinaria na área de Botlek, na Holanda, e o leva a 500 estufas que produzem frutas e vegetais. Isso evita a emissão anual de 170 mil toneladas de dióxido de carbono e os donos das estufas a economizam a queima de 95 milhões de metros cúbicos de gás para produzirem o dióxido de que precisam.

A Alcan planeja usar o calor de uma de suas caldeiras para aumentar a eficiência de sua usina de geração de energia em Lynemouth, Reino Unido. O diretor-gerente de operações de energia da Alcan no país, Wyn Jones, calcula que a ação economizará 150 mil toneladas de gás carbônico por ano (3 milhões de euros, levando em conta preço de 20 euros por tonelada, que a Alcan espera) e 60 mil toneladas de carvão, cerca de US$ 4,2 milhões. O custo do projeto? Jones não sabe ao certo, mas espera ter um retorno em cinco anos.

As emissões européias, no geral, não estão diminuindo, o que sugere que não se está abandonando tanto o carvão como se esperava ou que não estão se adotando tantas inovações tecnológicas. Os CERs chineses são muito baratos e o preço do carvão é baixo e volátil. Mesmo quando o preço varia entre 15 euros e 25 euros, não parecer ser suficiente para encorajar muitos novos investimentos.

De acordo com Bjoern Urdal, da Sustainable Asset Management, que estudou os efeitos do preço do carvão no mercado de eletricidade alemão em 2006, trocar velhas usinas a carvão por usinas a gás só vale a pena quando o carvão supera os 25 euros.

Isso ajudou a elevar o preço do carvão. A decisão da CE de reduzir a verba dos governos para o setor no período 2008-2012 também teve esse efeito. O preço da segunda fase das permissões subiu a um patamar que levou algumas geradoras de energia a trocar o carvão pelo gás, quando o preço deste último está moderado. Ainda não subiu o suficiente, no entanto, para substituir as usinas a carvão pelas usinas a gás, nem para encorajar grande parte da inovação que a negociação de carbono supostamente deveria desencadear.