Título: Bush faz seu lance na luta contra aquecimento global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2007, Opinião, p. A20

O combate ao aquecimento global pode ter ganho um aliado importante, ainda que esquivo - os Estados Unidos. Na semana passada, o presidente George W. Bush abandonou sua ojeriza pelo tema e fez propostas de uma ação conjunta para conter as emissões dos gases que provocam o efeito estufa. A surpresa foi grande, assim como é intensa a tentativa de descobrir o motivo e o alcance da atitude americana. A proximidade da reunião do G-8, que reúne os países mais ricos, teve um papel relevante no movimento de Bush, assim como a insustentabilidade de sua posição, já que empresas americanas e o Partido Democrata são francamente favoráveis a uma ação afirmativa em relação à ameaça climática. Resta saber se Bush entrou em campo com uma manobra diversionista de efeitos protelatórios ou se finalmente os EUA se resolveram pelo engajamento.

A ascensão da oposição democrata ao comando das duas casas do Congresso americano pode ter tido um peso decisivo na guinada de Bush. À ação parlamentar dos democratas somaram-se medidas contra o aquecimento global tomadas por vários Estados do país e pelo apelo e compromissos públicos de um batalhão do primeiro time das maiores empresas nessa direção. A nova posição dos EUA, porém, caso se revele positiva nos desdobramentos práticos, guarda, na intenção, as marcas unilateralistas do governo Bush. Contrário ao protocolo de Kyoto, que estabeleceu limites para as emissões de gases que provocam o efeito estufa, Bush viu-se constrangido a entrar na discussão do que poderá ser um novo acordo global.

Tomada ao pé da letra, a proposta de Bush, pouco detalhada, é avessa não apenas ao espírito de Kyoto, como ao de qualquer acordo global. Os EUA foram suficientemente ambíguos para deixar no limbo a possibilidade de um limite mandatório para as emissões, que seja estabelecido de comum acordo com outros países. Bush pretende discutir a questão fora do âmbito da Organização das Nações Unidas, ao buscar uma solução apenas entre os 15 maiores poluidores mundiais, que os EUA encabeçam. Continua sendo a procura de uma saída unilateral por outros meios o que, no limite, pode desmontar a articulação que propiciou Kyoto, sem colocar nada em seu lugar.

Mas a simples aceitação pelos EUA de que o problema existe pode desencadear uma dinâmica própria que obrigue Bush a novos passos positivos. O Reino Unido, seu principal aliado, já considera fundamental, segundo Tony Blair, ter um norte após o fim de Kyoto, em 2012. A Austrália, também fora de Kyoto, segue o exemplo americano e mostra-se agora disposta a mover-se, de alguma forma, na mesma direção.

O encontro do G-8 pode ser um divisor de águas importante. A orientação da reunião, traçada pela premier alemã Angela Merkel, é a de impedir que o aumento da temperatura global ultrapasse 2 graus centígrados, o que obrigará os países a cortarem em 50% o nível de emissões observado em 1990. A União Européia já fixou a meta transitória de corte de 20% até 2020, com chances de elevá-la a 30% se mais países fizerem sua parte na empreitada. Para isso, será vital obter algum compromisso com metas de China, Índia e Brasil, que foram chamados a participar do encontro.

A posição dos EUA, neste ponto, não mudou. Foi contra Kyoto sob pretexto de que os países emergentes ficaram livres para poluir, e querem metas para os emergentes, China e Índia à frente. A China assumirá a liderança em poluição mundial este ano e o Brasil está na quarta posição, graças ao desmatamento da Amazônia. A atitude brasileira não mudou, até agora, no essencial - não quer metas, já que são os países desenvolvidos os principais responsáveis pelas emissões que causaram o problema.

Sancionar o pesadelo ambiental chinês e esquivar-se de um compromisso firme para controlar a devastação na Amazônia não é uma atitude correta para o Brasil. O protocolo de Kyoto estabelece responsabilidades diferenciadas na busca de interesses comuns. Dificilmente o país atrairá fundos para a preservação das florestas ou tecnologias limpas sem que se proponha a obedecer limites negociados que possa cumprir e que serão menores que os dos países ricos.