Título: Novas tecnologias reduzem dependência
Autor: Gonzales, Jennifer
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2007, Caderno Especial, p. F3

Diante da iminente escassez de água no planeta, um crescente número de empresas tenta melhorar a eficiência de seus negócios e investe no reaproveitamento do precioso insumo. Desde a compra de equipamentos à implantação de tecnologias simples, mas eficientes, as companhias - em particular, o setor industrial - apostam na reciclagem de água em face dos custos cada mais elevados. No Brasil, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos está discutindo uma legislação específica sobre o reuso de água por setor econômico e, em São Paulo, a lei estadual número 12.183, de dezembro de 2005, já implementou a cobrança pela captação de água nas bacias hidrográficas e pelo lançamento de efluentes.

"Com a criação da taxa, a conservação de água é a melhor saída para as empresas", afirma Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reuso de Água (CIRRA), ligado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O professor titular da Poli defende o consumo racional de água em lugar de sua busca em fontes distantes para abastecer a Grande São Paulo. "Os romanos faziam exatamente isso para alimentar suas termas, é um modelo de dois mil anos e totalmente ultrapassado", critica. De acordo com Hespanhol, a região metropolitana consome 70 mil litros de água por segundo (ou 70 metros cúbicos, o equivalente a uma piscina olímpica) e, desse total, menos de 30 metros cúbicos são usados para fins domésticos. "Os 40 metros cúbicos restantes são usados pela indústria, o que significa que essa quantidade poderia ser reutilizada."

A Spaipa, uma das fabricantes da Coca-Cola no Brasil, vem introduzindo tecnologias de preservação da água em suas três plantas. Na unidade de Curitiba, a lavagem de garrafas PET antes do envase é feita agora com ar ionizado, o que resulta numa economia de 7 mil litros de água por hora. Sistemas de captação de águas pluviais, que operam há dois anos na fábrica de Maringá (PR) e começam na unidade de Marília (SP) este mês, irão recolher cerca de 10 milhões de litros de água este ano, num investimento de R$ 1,2 milhão. O líqüido será destinado à produção de refrigerantes e outras bebidas. "Dependemos da água para manter nossos custos. O bom uso dessa matéria-prima representa uma vantagem competitiva para nós", afirma Mario Veronezi, superintendente industrial da Spaipa.

A estimativa é que, a partir de 2008, 1% da produção de bebidas seja feita com água de chuva.

Com o reuso da água para limpeza das fábricas e lavagens de garrafas e engradados, a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) retira atualmente 20% menos de água da natureza em comparação a 2002. Seu consumo na produção de bebidas também caiu, passando de 5,6 litros de água por litro de cerveja em 2001 para a média de 4,3 litros de água no ano passado. Algumas das 30 unidades nacionais chegaram a ultrapassar a referência mundial de 3,7 litros de água por litro de cerveja, a exemplo da filial de Curitiba, que tem um índice de 3,4 litros. "A água é um importante indicador de ecoeficiência na gestão ambiental", diz Beatriz Botelho, gerente de meio ambiente da Ambev.

O potencial de reciclagem da água em atividades industriais pode chegar a praticamente 100%, como mostra a Dow Química. Na nova fábrica de látex instalada em 2001 no Complexo Guarujá, os efluentes, depois de tratados, voltam para a linha de produção, reutilizando 99% do insumo (a unidade antiga tinha um índice de reuso em torno de 15%). "Para 2015, a meta é reduzir 70% do consumo atual nas outras seis unidades", informa Marcio Mariz, diretor da Dow Química para as unidades do Guarujá e Cubatão. Para tanto, não será necessário desta vez construir novas fábricas. "A introdução de técnicas como aproveitamento de água de chuva e reciclo nas torres de refrigeração realizarão o trabalho. Será um investimento de R$ 1 milhão por ano até 2012", diz Mariz.

Na fábrica da Volkswagen do Brasil em Taubaté, o índice de reciclagem vem crescendo desde 2003, quando foi implantado o sistema de reaproveitamento de água para fins industriais e sanitários. Começou com 7,4% no primeiro ano e atingiu 29% em 2006. Parte da água empregada na cadeia produtiva é tratada e bombeada de volta à fábrica, sendo usada em operações de pintura, refrigeração, limpeza e jardinagem. Aliado a outras medidas, o processo trouxe uma redução de 45% no consumo de água tratada. "A economia de água da rede pública é uma questão vital, na medida em que trata-se de uma água ´nobre´, com adição de flúor e cloro, e destinada à população", afirma Orlando Moral Junior, diretor da fábrica de Taubaté.

Não apenas indústrias vêm se preocupando com o consumo de água. O Citibank anunciou recentemente um projeto de US$ 570 mil em seu edifício próprio da Avenida Paulista, a ser adaptado para a reutilização de água. A reforma, que começará este mês e irá até outubro, trará uma redução de 60% sobre o consumo atual (em torno de 35 mil metros cúbicos por ano). O prédio tem 20 anos e a conta anual de água é de R$ 750 mil. "Como trocamos as colunas hídricas há dois anos, vamos aproveitar para instalar o sistema de coleta, tratamento e reuso de água", informa José Romito, diretor do Citigroup Realty Services no Brasil. Os banheiros consomem 55% do total de água, enquanto o ar condicionado, 37%, a rega de jardins, 5%, e a limpeza de fachada, 3%. Segundo Romito, a adaptação faz parte do plano do Citigroup em destinar US$ 50 bilhões em projetos ambientais nos próximos dez anos.

Já a Amanco do Brasil, fabricante de tubos e conexões, não utiliza água em volumes comparáveis a outras atividades industriais, de acordo com a gerente de meio ambiente Regina Zimmermann. "Ainda assim, queremos ser percebidos como uma organização que minimiza os impactos ao meio ambiente", diz a engenheira.

Em 2002, o grupo consumia 1,01 metros cúbico de água por tonelada de equipamentos produzida, caindo para 0,29 metro cúbico no ano passado. O resultado deve-se em parte à planta fabril de Suape (PE), que começou a operar em 2005 e foi projetada para economizar água e energia, em um investimento de R$ 25 milhões. "Quando usamos água potável competimos com as comunidades pelo seu uso", diz Zimmermann (apenas 0,7% do consumo é para uso industrial). O diretor do CIRRA, Hespanhol, diz que uma imagem ambiental positiva traz mais retorno do que a propaganda tradicional. Em quatro anos, a Amanco economizou R$ 170 mil em sua conta de água.