Título: A renda fixa ainda vive
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2007, EU & Investimentos, p. D1

A queda dos juros e o excelente desempenho da bolsa provocaram uma busca por diversificação de investimentos como há muito não se via no país. Consultores pregam a diversificação aos quatro ventos enquanto gerentes de bancos, que por tantos anos mal sabiam indicar um fundo DI, hoje, com o Ibovespa nos 53 mil pontos, ligam para alertar os clientes da necessidade de "aplicar um pouco em risco". Nesse tiroteio, o investidor que não gosta de risco se vê quase como um fora-da-lei por manter aplicações conservadoras.

Uma boa notícia para esse investidor é que ele não vai arder no fogo do inferno por não mudar radicalmente suas estratégias. A renda fixa tem e sempre terá um papel importante em qualquer carteira de investimentos, seja aqui, onde os juros caminham para a casa dos 10% ao ano, seja no Japão, onde estão pouco acima de zero. Mesmo considerando um juro de 10% bruto ao ano, ou 7,75% após o imposto de renda (pela alíquota mais alta, de 22,5%), e uma inflação de 3,5%, o ganho real brasileiro fica na casa dos 4% ao ano, perto do ganho bruto de uma aplicação de dez anos nos Estados Unidos.

E há espaço para ganhos maiores. Estudo com 395 fundos de renda fixa feito pelo professor William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, mostra que, destes, 91 superam o CDI de janeiro a abril, período de queda maior dos juros, sendo que 18 apresentam ganho superior a 120% do CDI.

"É uma amostra bem variada, que tem desde fundos de R$ 10 mil até carteiras exclusivas para clientes private ou empresas", diz Eid. Mesmo assim, ela revela que não dá para dizer que a renda fixa está morta. "E os bancos só não estão propagandeando esses fundos porque é melhor para eles vender um multimercado que cobra taxa de administração de 2% ao ano do que um renda fixa diferenciado que cobra 1%, 1,5%", raciocina. Mesmo assim, os investidores estão descobrindo essas carteiras. Olhando apenas os 18 líderes, vemos uma captação de quase R$ 5 bilhões no ano até dia 31 de maio, segundo dados do Fortuna.

Em comum, essas carteiras têm a gestão mais ativa, correm mais risco e apresentam maior volatilidade, chegando a ter perdas em alguns dias. Muitos eram de papéis indexados à inflação, os fundos IGP-M, que ampliaram sua estratégia para mais ativos e colocaram alavancagem - capacidade de aplicar mais do que o patrimônio. Eles se aproveitam da agilidade em alongar e encurtar prazos e da diversificação com papéis de inflação, ou usam os mercados futuros para captar distorções momentâneas de juros. São, portanto, bem diferentes dos burocráticos fundos de renda fixa tradicionais.

O estudo de Eid levou em conta períodos de seis meses, um ano, dois, três quatro e cinco anos. O Valor só reproduziu os períodos mais curtos, onde o impacto da queda dos juros é maior. Os primeiros colocados são fundos com papéis indexados à inflação, e que foram bastante beneficiados pela queda dos juros, que elevou o preço dos títulos nos últimos 12 meses. Todos têm taxa de administração reduzida, de até 2% ao ano, um dos requisitos para um fundo de renda fixa ter bom desempenho.

A queda dos juros exige maior esforço dos gestores de renda fixa para obter resultados melhores. E, muitas vezes, um nível de risco também maior, que pode levar uma carteira de renda fixa a ter perdas em alguns momentos e que precisa ser bem explicada para o cliente, diz Carlos Otero, responsável pela área de renda fixa da Bradesco Asset Management (Bram) e pelo fundo Bradesco Bond.

O Bond veio do Deutsche Bank e estava colocado de lado até ser transformado em uma carteira mais agressiva para atender a procura de private e varejo de alta renda, afirma Otero. E o retorno foi muito bom, tanto em termos de rentabilidade quanto em captação. O fundo começou captando R$ 5 milhões por dia e, hoje, são R$ 30 milhões. "Em sete meses, captamos R$ 840 milhões", afirma Otero, que estima chegar a R$ 1 bilhão até julho. Isso apesar da aplicação mínima alta, de R$ 100 mil.

Uma das preocupações de Otero é alertar o investidor para o risco do fundo, quatro vezes maior que o de um renda fixa tradicional. "Já chegamos a ter uma perda de 550% do CDI em um dia, na época da turbulência da bolsa chinesa, em março, mas recuperamos, e é isso que o investidor precisa entender, que acertamos na maioria das vezes, mas em algumas vamos perder", afirma. O banco gostou da experiência e já pensa em criar novas carteiras desse tipo.

O objetivo desses fundos mais agressivos é superar o CDI usando estratégias de juros prefixados, diz Paulo Caricati, responsável pela gestão dos fundos de renda fixa da Legg Mason Western Asset Brasil, que tem três fundos na lista dos de melhor desempenho do estudo. Um dos fatores de sucesso, afirma Caricati, foi aumentar as operações longas prefixadas do fundo no momento em que as taxas iam cair e encurtá-las quando viam que ia haver alguma correção à vista.

Caricati explica que a atuação do BC é mais importante nos prazos mais curtos, um ou dois anos, influenciadas pela expectativa do Copom. As taxas mais longas são mais influenciadas por outros fatores, como a entrada de investidores estrangeiros e a percepção de risco-país de uma forma geral. "Por isso precisamos ter estratégias distintas para as parcelas curta, média e longa".

Para ele, ainda há espaço para ganhar em renda fixa. "Mesmo que não haja o ganho de capital com uma queda nos juros, sempre há uma diferença a favor das taxas longas." Outra fonte de ganhos será nas diferenças de taxas entre títulos de prazos diferentes. Outra alternativa são as operações de crédito, à medida que esse mercado se desenvolva. "Vamos ter outras formas de renda fixa, lastreadas em ativos, recebíveis, financiamentos imobiliários, derivativos de crédito e empréstimos bancários".

A idéia é lançar mais fundos de renda fixa agressiva para o varejo de alta renda e o private, afirma Carlos Alberto Torres de Melo, diretor da área asset do Banco Safra. Recentemente, o banco reduziu a carência do Safra Index de 30 para para dez, aumentando a atratividade. A carteira é basicamente focada em títulos com inflação, com bastante IPCA, muita NTN-B e, eventualmente, alguma coisa de juros pré. "A idéia é mostrar que podemos ter um fundo de renda fixa com risco e rentabilidade um pouco maiores, o investidor não precisa ir só para ações e multimercado", diz.

Até agora, os investidores encaravam a renda fixa como um fundo sem risco. Agora, terão de separar o joio do tribo e começar a lidar com a renda fixa como uma aposta no comportamento das taxas de juros. No caso do Safra Index, a volatilidade é de 2,44% ao ano, para 0,70% de um fundo mais tradicional como o Safra Renda Fixa. Por isso, o gestor precisa de um controle de risco reforçado. "Esses renda fixa agressivos têm volatilidade equivalente a um multimercado de baixo risco", explica Melo.