Título: É hora de pensar o futuro
Autor: Tiago, Ediane
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2007, EU & Fim de Semana, p. 6

O Brasil vive hoje o que especialistas qualificam de uma janela de oportunidades. Acumula superávit primário desde 2000, está com baixa inflação, passa por um momento de apreciação da moeda e caminha para obter o grau de investimento na avaliação das agências de classificação de risco. Apesar do crescimento mais lento na comparação com seus pares emergentes, indicadores como esses trazem mais confiança e deixam o país respirar para arrumar a casa, configurando um raro momento em sua história.

Sem incêndios para apagar, o governo pode planejar a longo prazo e criar bases para o desenvolvimento sustentável. O problema é que, se o governo não aproveitar o céu de brigadeiro e demorar a fazer as reformas necessárias, a próxima geração terá o mesmo destino da atual, que paga pelas escolhas equivocadas das décadas de 1980 e 1990. "O futuro dependerá das escolhas que fizermos hoje e são elas que ditarão se ele será bom ou ruim", diz João Paulo dos Reis Velloso, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Repensar o Brasil é justamente o trabalho da Secretaria Especial de Planejamento Estratégico (Sepe), que será criada pelo governo Lula. A secretaria, com status de ministério, deverá ter apoio do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), que coordena o projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015, 2022. O projeto está centrado na análise das potencialidades estratégicas do país e tem a missão de identificar as metas prioritárias e os atores sociais capazes de implementá-las em três momentos: o início do novo mandato (2007), o ano da Conferência Mundial sobre os Desafios do Milênio (2015) e o bicentenário da independência (2022).

Esses planos de longo prazo devem levar em consideração a evolução da sociedade. Até 2050, um grupo de pessoas com idade entre 15 e 64 anos responderá por mais de 60% da população do Brasil. "Estamos diante de um bônus demográfico. Apesar do envelhecimento da população, teremos muita mão-de-obra disponível nas próximas décadas, o que ajudará muito em um plano de crescimento", explica Rosana Baeninger, pesquisadora do Núcleo de Estudos da População da Unicamp. Ou seja, o futuro do Brasil estará nas condições que estão sendo criadas para bebês como o paulistano Gustavo Freitas Khouri, com a idade do segundo mandato de Lula, o ponto inicial do projeto Brasil 3 Tempos.

Neste ano, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 52,1 milhões de brasileiros (27% da população) estarão na faixa etária até 14 anos. Em 2025, essa mesma faixa da população será de 51,46 milhões (22%). A redução na taxa de fecundidade - que caiu de 4,06 filhos por mulher, registrada em 1980, para 2,25 em 2007 - deixa claro que a sociedade brasileira pôs o pé no freio quando o assunto é aumentar a família. Com o acesso a métodos para o planejamento familiar, as brasileiras têm menos filhos e, em 2050, a taxa de fecundidade no país chegará a 1,98 filho por mulher.

Menor fecundidade significa estagnação no crescimento populacional, que deve chegar ao grau de reposição nas próximas décadas, já que, pelas projeções do IBGE, a taxa de crescimento populacional encolherá dos atuais 1,4% ao ano para 0,24% em 2050. "Estamos diante da construção de uma nova sociedade. Será cada vez mais rara a formação familiar de um casal com mais de dois filhos e as famílias com filho único serão bem mais comuns", comenta Laura Rodriguez Wong, demógrafa do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A redução no crescimento populacional será a contribuição da demografia para o crescimento do país. Nas próximas décadas, segundo projeções do IBGE, a razão de dependência dos jovens em relação às suas famílias estará em declínio e cairá de 41,6% (2007) para 33,44% (2025). Em 2050, essa relação de dependência será de 28,15%. A média de idade do brasileiro também vem aumentando nas últimas décadas. Em 1980, a média era de 20,2 anos. Neste ano será de 27,3 anos e chegará aos 40 anos em 2050. O aumento da expectativa de vida também alonga o tempo de trabalho do brasileiro. Em 2005, a esperança de vida ao nascer era de 75,8 anos e em, 2050, deve chegar a 81 anos.

Segundo Rosana Baeninger, esse panorama indica que está na hora de o país concentrar esforços no crescimento, para oferecer melhores condições de vida àqueles que, hoje crianças ou já adultos, cuidarão do Brasil que envelhece. A partir de 2050, a razão de dependência de idosos estará perto de 30% e os brasileiros com mais de 65 anos corresponderão a 18% da população, chegando a 48,8 milhões. Em 2007, esse grupo responderá por 6% do total de brasileiros, somando 11,9 milhões de pessoas. "É o momento para eliminar gargalos como o da previdência social. Não conseguiremos cuidar dos nossos idosos se não houver uma reforma. Não teremos tantos jovens na sociedade futura", observa Rosana.

Esse novo modelo de família reflete dois fenômenos que aconteceram durante as décadas de 1980 e 1990. "A participação da mulher no mercado de trabalho vem crescendo muito e seu nível educacional também deu um salto nos últimos anos. Mais informadas e economicamente ativas, as mulheres optam por ter menos filhos", destaca André Portela, professor da FGV.

Em 2005, segundo o IBGE, a população economicamente ativa somou 96 milhões de pessoas, entre empregados e desempregados. Deste total, 43,6% eram de mulheres. Além da entrada maciça no mercado de trabalho, as mulheres também passaram a chefiar suas famílias. No último levantamento realizado pelo IBGE, 30,6% das famílias brasileiras contavam com chefia feminina.

A demógrafa Laura Rodriguez Wong ressalta que a redução da taxa de fecundidade será mais aguda nas classes média e média alta, dado que foi conferido pelo IBGE. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), realizada em 2005, entre as mulheres mais pobres em idade reprodutiva 74% já tinham pelo menos um filho nascido vivo, enquanto entre aquelas com rendimento familiar per capita de dois salários mínimos a proporção era de 49,2%.

Ao comparar os indicadores de fecundidade entre 2004 e 2005, o instituto verificou que entre as famílias com melhores condições financeiras houve uma redução de 0,6% na proporção de mulheres com filhos, enquanto nas famílias com rendimento de até ½ salário mínimo per capita o índice apresentou aumento de 0,2%.

-------------------------------------------------------------------------------- Panorama indica que está na hora de o país concentrar esforços no crescimento para oferecer melhores condições a crianças e adultos --------------------------------------------------------------------------------

"O crescimento demográfico se dará nas comunidades pobres. A maior parte dos jovens do futuro virá das classes menos favorecidas. Por isso, é importante criar condições para a melhoria de vida dessa população", destaca Laura. Os números atuais traduzem bem essa necessidade. De acordo com o IBGE, 40% das crianças com até 14 anos viviam em famílias cujo rendimento não ultrapassava meio salário mínimo per capita em 2005. No grupo de crianças com até 6 anos, o porcentual é de 44,1%.

O baixo desempenho econômico do país nas últimas décadas também incentivou a formação de famílias menores. "Temos uma geração que nunca viu o Brasil crescer nem sabe como é isso. Nos últimos anos, a renda per capita cresceu em torno de 0,6% ao ano", constata Velloso. Juntam-se ao baixo crescimento o aumento da taxa de desemprego e o crescimento da economia informal, que significa empregos de baixa produtividade e baixos salários. "Estimamos que 60% da população economicamente ativa trabalhe no mercado informal", afirma.

O baixo crescimento econômico se reflete também na renda dos trabalhadores. O IBGE apurou que o rendimento médio dos brasileiros caiu de R$ 922,10 para R$ 804,80 entre 1995 e 2005. A queda se agrava ainda mais com a necessidade de a população arcar com custos como educação e saúde, serviços mal supridos pelo governo.

Para Velloso, a eliminação das amarras para o crescimento econômico é á única saída para melhorar as condições de vida das crianças e, para isso, o governo também deverá pensar em conter a veracidade de sua estrutura por verbas. O tamanho de governo é um limitador importante do crescimento econômico e, combinado com o rombo da previdência e as altas taxas tributárias, uma verdadeira bomba. "As escolhas têm de ser feitas com muito planejamento e com foco no crescimento. Somos vítimas de escolhas malfeitas na década de 1980", diz.

Sua argumentação se baseia nos benefícios garantidos aos brasileiros pela Constituição de 1988 que oneraram a previdência. "Não se trata de não dar benefícios, mas de definir como a conta será paga antes de aprová-los. Não podemos prejudicar um grupo para favorecer outro."

Para definir a lista de prioridades do governo Lula, a Secretaria Especial de Planejamento Estratégico realizou pesquisas com a população. "A melhora na qualidade da educação básica encabeça a lista de preocupações da sociedade e é um dos principais fatores para garantir o sucesso do Brasil no futuro", explica Raul Sturari, secretário-executivo do NAE. Entre as conquistas brasileiras dos últimos anos está a universalização do ensino fundamental, disponível hoje para 98% das crianças.

De acordo com o IBGE, a taxa de freqüência escolar bruta na faixa etária de 7 a 14 anos chegou a 97,3% no país em 2005, enquanto a taxa de analfabetismo ficou em 11% e a de analfabetismo funcional em 23,5%. "Universalizamos, mas temos consciência de que a qualidade do ensino caiu e não atende às necessidades de nossas crianças", admite Sturari.

Ciente dessa necessidade, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que prevê investimentos na ordem de R$ 8 bilhões para a pasta até 2010. Já em 2007, a intenção do MEC é a de investir R$ 1 bilhão de recursos adicionais do Fundo da Educação Básica (Fundeb) para melhorar as condições educacionais em mil municípios. O critério da escolha será o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado para medir o rendimento dos alunos, a taxa de repetência e a evasão escolar. Os municípios com pior desempenho serão os primeiros a receber ajuda federal.

A criação do Ideb também contribuirá para medir periodicamente o desempenho da educação no Brasil. Atualmente, o país seria avaliado, pelo índice, com média de quatro pontos em uma escala de zero a dez. A meta é alcançar média seis nos próximos 15 anos, equiparando o Brasil aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). "Além de avaliar, queremos informatizar todas as escolas públicas até 2010, promovendo a inclusão digital dos estudantes brasileiros", informa Sturari.

A educação é um grande desafio para o futuro. Mas com certeza é a ferramenta mais eficiente para garantir o desenvolvimento sustentável, atuando de forma eficaz na redução da violência e na melhora da qualidade de vida de crianças e jovens. "Não há outra forma de aumentar a produtividade no país nem de promover o desenvolvimento", afirma Felícia Reicher Madeira, diretora-executiva da Fundação Seade.

A Fundação Seade mediu o índice de vulnerabilidade juvenil (IVJ) na Região Metropolitana de São Paulo entre 2000 e 2005 e constatou que o acesso ao ensino médio contribuiu para a redução da vulnerabilidade dos jovens na região. Segundo os resultados, passou de 70 para 51 pontos no período medido, sendo maior a redução nas áreas mais pobres. O relatório aponta que o aumento da freqüência ao ensino médio entre jovens na faixa etária de 15 a 17 anos foi o maior responsável pelo resultado. "A escola acolhe os jovens e eles se encaixam em grupos dentro da instituição", diz Felícia.

O grau de escolaridade também contribui para a redução de casos de gravidez na adolescência. No período medido pelo Seade, a taxa de fecundidade em adolescentes de 14 a 17 anos decresceu de 38 para 35 nascimentos em cada grupo de mil mulheres. Mais uma vez, a redução foi mais intensa nas regiões mais pobres. De acordo com Felícia, um trabalho focado na educação ainda permite que os pais das novas gerações tenham uma base cultural maior para transmitir a seus filhos. "Quanto maior o tempo de estudo, melhor a formação da sociedade. Os resultados são garantidos", conclui.