Título: Regra da Aneel eleva multa e pode tirar térmicas do leilão de energia
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2007, Brasil, p. A3

Um impasse entre geradores térmicos e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pode colocar em risco a construção de novas usinas movidas a gás natural. Desta vez, o problema nada tem a ver com licenciamento ambiental. Ele ocorre, no entanto, num momento em que o atraso nas hidrelétricas do rio Madeira leva o governo a depender cada vez mais de térmicas para evitar um racionamento no início da próxima década. E ameaça o sucesso do leilão que venderá energia com entrega para 2012. Marcado para o próximo dia 26, esse leilão foi adiado, ontem, para 10 de julho.

A briga gira em torno dos Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR) - um documento da Aneel que oficializa as transações fechadas entre geradoras e distribuidoras no leilão. Os termos do contrato prevêem a aplicação de multas severas às térmicas que não entregarem, no futuro, a energia vendida agora. Na avaliação da agência, é uma exigência necessária para evitar a repetição do fiasco observado no fim de 2006 - quando, acionadas, as térmicas a gás não conseguiram gerar energia por falta de combustível.

Os investidores, no entanto, queixam-se de que as punições são excessivamente rigorosas e não deveriam recair sobre eles. "Não temos controle sobre o suprimento de gás", alega o presidente da Associação Brasileira das Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira Filho. Para ele, as térmicas podem ser tão vítimas da falta de gás quanto os consumidores. "É como punir o dono da hidrelétrica pela falta de chuvas", ironiza.

Segundo o executivo, cinco ou seis novas térmicas a gás que seriam construídas e teriam energia vendida no próximo leilão (10 de julho) devem recuar. Elas iam oferecer mais de 3 mil megawatts (MW) de energia nova - cerca de metade das usinas do Madeira. Em simulações realizadas pela Abraget, uma térmica que gera 300 MW médios teria de pagar R$ 31,3 milhões em multas caso deixe de produzir por falta de gás, mesmo não tendo culpa pelo desabastecimento do combustível.

As penalidades aumentaram porque agora levam em conta o preço máximo da eletricidade no mercado "spot", com multas de 25% (no primeiro mês de não-despacho das usinas) a 100% (no quarto mês) sobre esse valor. "Se houver uma parada por quatro meses, dá quase o preço de construção da usina. Não há investidor que aceite algo assim. Estamos assustados com a regulação punitiva e descabida da Aneel."

A situação atual de escassez no fornecimento de gás deve ser superada após 2010, segundo a Petrobras, que investirá US$ 22 bilhões no setor, nos próximos cinco anos. Isso fará a produção nacional subir de 27 milhões de m³ por dia para mais de 70 milhões de m³ diários.

Muitos especialistas, porém, consideram as promessas da estatal excessivamente otimistas. O sócio-diretor da Gas Energy, Marco Tavares, avalia que é "muito arriscado" fechar hoje um contrato com a Petrobras para entrega de gás em 2012. Segundo ele, ainda há risco de que a matéria-prima não seja fornecida, ou que isso só aconteça mediante o pagamento de preços tão altos que poderiam inviabilizar uma térmica.

O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, defende a cautela assumida pela agência e afirma que ela tem por objetivo dotar o funcionamento pleno das térmicas a gás de mais garantias. Ele assegura que o órgão regulador está aberto ao diálogo e já recebeu as reclamações da Abraget. Diz que não há como voltar atrás do sistema de punições em caso de não-despacho das usinas, mas reconhece que pode até ter exagerado na dose e, por isso, espera uma contraproposta da associação para avaliar mudanças antes do leilão.

"O que queremos não não é arrecadar multas ou quebrar empresas. Queremos ter térmicas com gás suficiente para produzirem todas simultaneamente", argumenta. Kelman explica que toda precaução é necessária após os problemas verificados no fim do ano passado, quando 3,6 mil MW provenientes de térmicas a gás foram retirados do cálculo de energia disponível no sistema interligado nacional. Em maio deste ano, Aneel e Petrobras assinaram um termo de conduta para estabelecer um cronograma que garanta a oferta de combustíveis.

Kelman diz que não se pode aceitar a construção de "térmicas de papel", com contratos de gás que não são respeitados, como ocorreu em 2006. Por isso, avalia que é necessário impor punições às usinas que deixem de funcionar por insuficiência de combustível. Ele sugere que as termelétricas negociem o mesmo tipo de penalidade junto à Petrobras, com quem estão negociando o fornecimento de gás para entrega a partir de 2012. As usinas precisam apresentar contratos firmes para habilitação no leilão.

O que não dá mais, acrescenta Kelman, é voltar para um sistema em que a única penalidade à térmica que não gerar energia é ir ao mercado "spot" e simplesmente repor aos clientes a quantidade de eletricidade não-fornecida. De acordo com ele, isso causa um paradoxo: as térmicas precisam ser acionadas justamente quando os reservatórios de hidrelétricas estão ficando vazios; mas, se não funcionam, recorrem ao mercado "spot" e compram energia das mesmas hidrelétricas, diminuindo mais o volume dos reservatórios.

Uma das soluções para o impasse é aplicar à Petrobras as mesmas punições dos geradores. Na condição de quase monopolista nesse mercado, a estatal não aceita solidarizar-se com as térmicas, observa Xisto Vieira, da Abraget.

O diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, diz que esse é um problema circunscrito a geradores térmicos, Aneel e Ministério de Minas e Energia. "A Petrobras não tem nada a ver com isso. Vendemos o gás que podemos vender, no preço possível", afirma Sauer, que descarta compartilhar penalidades com as usinas. "Para dividir riscos, alguém precisa pagar. Ou você aceita riscos de graça?"

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, admite preocupação com o impasse, mas está otimista em uma solução para o problema e garante que o leilão não corre risco. "Existe um espaço de diálogo com a Aneel. Há um triângulo em que cada um precisa ceder e é fundamental que se chegue a um acordo", assinala.