Título: Argentina agora privilegia proteção da indústria na OMC
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Fonte: Valor Econômico, 15/06/2007, Brasil, p. A4

A Argentina passou a privilegiar mais a proteção de sua indústria do que ganhos que acredita modestos na área agrícola, nas barganhas cruciais na Rodada Doha. A senadora Cristina Fernández de Kirchner, mulher do presidente argentino e suposta candidata à presidência na eleição de outubro, deu ontem uma demonstração disso numa conversa de 45 minutos com Pascal Lamy, o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC).

"A Argentina veio apresentar claramente seu interesse na proteção que necessita seu processo de reindustrialização, que tem sido o motivo pelo qual pudemos chegar a uma recuperação econômica, social e fiscal sem precedentes", disse a senadora diante de jornalistas, sem mencionar uma só vez o termo "agrícola". No começo da semana, a Argentina alertou que o Brasil recebeu o apoio para fincar pé no corte de 50% das tarifas industriais consolidadas (e não sobre as aplicadas), na negociação com os Estados Unidos, União Européia e Índia, na semana que vem na cidade de Potsdam (Alemanha), vista como "vai ou racha" na rodada.

"Vamos defender os interesses argentinos com firmeza", reiterou a senadora. "Business is business e cada um tem de defender seus próprios interesses", acrescentou, ignorando os parceiros do Mercosul, com os quais Buenos Aires tem a Tarifa Externa Comum (TEC). Procurada por jornalistas brasileiros, disse que não falaria, mas mandou "saudações a Lula".

Pascal Lamy deu tratamento de chefe de Estado à senadora Cristina Kirchner, mas não usou a linguagem empolada para cobrar concessões na área industrial. Disse que os países ricos vão pagar mais pela rodada e por sua vez os emergentes deverão "contribuir" de maneira proporcional e levando em conta setores sensíveis.

No entanto, em campanha eleitoral, a senadora Kirchner insistiu que a retomada da indústria argentina não pode ser abortada por demandas "gordas" dos países ricos, enquanto fazem ofertas "magras" aos emergentes. Alegou que a proteção industrial não tem nada de dogmático e é sustentada em resultados concretos. Ao longo de vários dias de visitas em Genebra, ela não cessou de ressaltar como o governo de seu marido é maravilhoso, dizendo que ele levou o país a taxas de expansão econômica asiáticas.

A senadora indicou que Buenos Aires seguirá a mesma linha que o levou a evitar o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas receitas para o país "resultaram numa grande explosão social". A prioridade da Argentina na Rodada Doha sempre foi a grande liberalização do mercado agrícola internacional, o que passa por redução significativa de subsídios nos países ricos. A contrapartida seria pagar com abertura de seu setor industrial. Visivelmente, Buenos Aires agora acha que não vale a pena, estimando que a defesa industrial é essencial pela sua parte na política econômica do país.

Os argentinos acham que haverá ganhos agrícolas com ou sem o fim da rodada. Os preços das commodities estão em alta e a demanda estaria garantida no longo prazo pela incorporação de novos consumidores na China e Índia, por exemplo, e também pelo impacto da produção de biocombustíveis.

A Argentina aceita corte de apenas 50% nas tarifas industriais consolidadas (o teto autorizado e não sobre a alíquota realmente aplicada). Os países ricos exigem mais de 70%. O Brasil é mais flexível. Mas um outro grupo informal de países em desenvolvimento é ainda mais, incluindo o Paraguai, sócio do Mercosul, além de México, Chile, Colômbia, Costa Rica e vários asiáticos exportadores. (AM)