Título: Só o PAC salva a meta fiscal
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 29/12/2010, Economia, p. 14

Conjutura:

Guido Mantega admite que governos regionais podem não alcançar economia de 0,95% do PIB. Se isso ocorrer, o Tesouro terá de cobrir o rombo abatendo da conta todos os gastos com o programa de investimentos. Até novembro, superavit acumulado é de R$ 64,5 bilhões

A apenas três dias de 2011, o governo finalmente admitiu que não terá fôlego para cumprir a meta de economizar o equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e colocou na conta dos estados e municípios a responsabilidade pelo fracasso do esforço fiscal em 2010. Até novembro, o Governo Central, figura que reúne a contabilidade do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Banco Central, registrou no ano um superavit primário de R$ 64,5 bilhões ou 1,95% do PIB. No penúltimo mês do ano, o valor poupado foi de R$ 1,09 bilhão.

É pouco em relação ao que foi prometido. No início do ano, o compromisso era de economizar 3,3% do PIB. A meta caiu para 3,1% após a exclusão das contas da Eletrobrás e ontem, antes mesmo do secretário do Tesouro, Arno Augustin, anunciar o resultado de novembro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega reconheceu a derrota, dizendo que o governo trabalha com a possibilidade de atingir apenas os 2,15% relativos ao Governo Central. "Posso garantir que a União cumprirá (a meta). Eu não sei se serão atingidos os 3,1%. Pelos dados de hoje (ontem), com novembro, eles não estariam sendo alcançados, mas nós só fechamos as contas em dezembro", afirmou. O ministro disse que não pode se comprometer pelos governos regionais, que têm a tarefa de economizar o equivalente a 0,95% do PIB, mas não passaram de 0,76% até outubro (para esse dado, a defasagem é maior).

Pela lei, no entanto, o Tesouro Nacional tem que cobrir o que, eventualmente, os estados e municípios não alcançarem, uma vez que o esforço fiscal é imposto pelo próprio Governo Central. É nesse momento que entrará em ação outro mecanismo para maquiar as contas públicas. O Tesouro poderá abater da meta todo o valor que for gasto com investimentos no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entre janeiro e novembro, esse valor soma R$ 19,3 bilhões, desconto que, se for usado, reduz o esforço necessário de 2,15%. Parte desse percentual, caso seja cumprido, pode ser direcionado para cobrir os governos locais.

O secretário Arno Augustin repetiu o discurso do chefe e assegurou que os mais de R$ 13 bilhões que faltam para manter 2,15% do PIB nos cofres, no fechamento do ano, serão economizados em dezembro. A tarefa não é fácil, uma vez que o último mês do ano é, tradicionalmente, um período de gastos elevados. "Estamos mirando na meta cheia do Governo Central. No próximo mês, teremos um superavit bastante positivo, forte e possivelmente com dois dígitos", prometeu. Augustin garantiu ainda que, exceto pelas ações de cobrança e dos dividendos pagos pelas empresas nas quais a União tem participação acionária, nenhuma receita extraordinária vai ser usada para engordar o resultado primário, a exemplo das manobras fiscais que foram feitas nos últimos dois anos. Além de recorrer a um estoque de depósitos judiciais e dividendos acumulados, o Tesouro ainda contabilizou como receita R$ 31,9 bilhões em dívidas emitidas para capitalizar a Petrobras.

"Eles jogaram a toalha, mas não dignamente, colocando a culpa nos estados e nos municípios. O resultado dos governos regionais estava disponível e é surpreendente só se descobrir agora que eles não cumprirão sua parte", avaliou o economista da Tendências Consultoria André Sacconato. Para ele, independentemente do resultado no último mês, o desastre nas contas do ano já foi feito. "Não é um dezembro excepcional que vai esconder a péssima política fiscal realizada desde o início de 2010."

Augustin rebateu a tese de que os gastos saíram do controle durante o ano ressaltando a queda real de 4,8% dos gastos com pessoal (folha de pagamento) em relação ao crescimento do PIB. O secretário ainda fez uma defesa aguerrida do salário mínimo de R$ 540, aprovado pelo Congresso.

Crescimento menor em 2011

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que a elevação da taxa básica de juros chinesa para 5,81% vai contribuir com a desaceleração da economia global e deve resultar em menor crescimento mundial em 2011. A medida, coordenada com outras ações, como a ampliação dos compulsórios, foi adotada para diminuir o volume de recursos disponíveis na economia asiática e evitar a disparada da inflação. Em novembro, o índice de preços aos consumidores da China registrou alta de 5,1%, enquanto a expectativa do governo era de acumular no ano avanço de, no máximo, 3%.

"Eles (chineses) colocaram estímulos de US$ 1,2 trilhão em crédito para circular na época da crise e talvez tenha sido um pouco exagerado. Isso causou uma bolha imobiliária", comentou o ministro. Para Mantega, o avanço nos preços de commodities (produtos básicos cotados em bolsas de mercadorias) agrícolas também influenciaram nas decisões chinesas. " país é particularmente suscetível às commodities alimentares. Quanto mais baixa a renda média, mais a inflação se faz sentir no orçamento das famílias."

O menor movimento da economia no próximo ano, no entanto, já era esperado, segundo o ministro. "É uma espécie de refluxo do conjunto de medidas que foram colocadas na época da crise e depois retiradas. Claro que o fato de um país com o peso da China colocar o pé no freio acaba afetando o resto do mundo, mas já estava previsto na conta", ressaltou.

Além de aumentar os juros e a exigência de compulsórios bancários, os chineses também restringiram as aplicações no mercado imobiliário, tanto para os residentes quanto para os investidores estrangeiros. (GC)