Título: Clube das 20
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2007, EU & Investimentos, p. D1

As reuniões da família Baltazar, em Campinas, são um verdadeiro evento. São mais de cem pessoas entre filhos, netos e bisnetos da matriarca Maria das Neves, que fazem questão de celebrar juntos o fim do ano, com direito a um tradicional coral, muita música e alegria. Para organizar a festa para toda essa gente, Regina Elias Malaquias, funcionária aposentada da Cesp, suas primas, tias e irmãs tiveram a idéia alguns anos atrás de montar um esquema de arrecadação com carnês pagos mensalmente, depositando o dinheiro em uma conta poupança.

Foi aí que a prima Lucimeire deu a idéia de juntar dinheiro não só para a festa, mas para formar uma reserva para toda a família. Assim, 20 mulheres se reuniram e, em março de 2005, formaram um grupo para tomar conta do dinheiro de 30 investidoras, que depositavam mensalmente R$ 50 em poupança.

O grupo criou uma disciplina rígida, com regulamento e reuniões de três em três meses para prestação de contas. Uma das regras é que os maridos não podem participar nem da associação, nem das reuniões. "Eles vão dar palpite e não queremos influências, se quiserem, eles que façam a associação deles", deixa claro Regina. A conta poupança fica no nome de uma das participantes e outra tem a senha, para evitar que uma pessoa só possa sacar tudo.

Um ano depois, com o sistema funcionando bem, a Cidinha, amiga da Regina no coral da Cesp, convidou-a para participar de um clube de ações que estava sendo formado pelos funcionários da empresa. Regina já havia investido em um clube montado pela empresa anos atrás, o Cesp Invest, e lembrava de ter ganho algum dinheiro com ações - comprou na época um videocassete com o lucro -, e aproveitou para saber como funcionava o processo. E levou a idéia para as parentes.

"Resolvemos diversificar as aplicações porque a poupança não rendia muito", diz. Por intermédio da Cidinha, Regina conheceu a corretora Spinelli, que fez uma apresentação para as investidoras em Campinas. "Foi uma tarde de domingo inteira tirando dúvidas, pois a grande maioria nunca tinha aplicado em ações", lembra Regina. Depois de entender como funcionava a bolsa, o mercado e os riscos do investimento, a mulherada da família Baltazar se reuniu e decidiu criar um clube de ações. E surgiu assim, seis meses depois, em dezembro do ano passado, o Clube DasVinte.

O DasVinte é um bom exemplo de como o mercado de ações está se popularizando e de como os clubes de ações podem ser um mecanismo para a entrada desses novos investidores. Só neste ano, até 13 de junho, foram criados 269 clubes, segundo dados da Bovespa. Em maio, foram 80 novas carteiras e, neste mês, até dia 13, mais 17. No total, há 1.833 clubes listados na Bovespa. Até abril, último dado disponível, o patrimônio líquido dos clubes atingia R$ 11,1 bilhões, e o número de cotistas, 137.942.

Em muitos casos, como no do DasVinte, os clubes são administrados pelas corretoras, explica Giácomo Leonardo de Oliveira, coordenador de clubes da Spinelli. Para ele, o que mais chama a atenção é como a família se organizou para montar um sistema que estimulasse o hábito de poupar. Nesse caso, a corretora ajudou o grupo a conhecer uma nova opção para o dinheiro. "E a resposta tem sido boa, não houve questionamento sobre a volatilidade da aplicação e elas estão confortáveis com o investimento", diz. "São mulheres muito batalhadoras e unidas, e quando elas se reúnem, os maridos têm de ir para outro lugar."

Oliveira diz que a Spinelli trabalha com clubes de pequeno valor dentro de uma proposta educacional de difundir o mercado de ações. Há casos de amigos de faculdade, aposentados que freqüentam a mesma associação e que tinham medo de entrar na bolsa, mas resolvem arriscar juntos. Mas, em geral, há um objetivo de fazer os clubes atingirem pelo menos R$ 30 mil em 12 meses. A Spinelli tem cerca de 30 fundos em formação, afirma Oliveira.

Regina justifica a demora no processo de abertura do clube, já que foram seis meses. "Parece simples, mas era muita gente e sabe como é família", diz. Algumas mulheres tinham conta em nome do marido apenas e tiveram de abrir em nome delas, por exemplo. Enquanto cumpria as exigências burocráticas, Regina se animou e fez um curso na Bovespa para conhecer o funcionamento do mercado. E ficou surpresa com o número de pessoas do interior e de outros estados que procurava informações.

O clube segue com 20 participantes e tem hoje um patrimônio ainda modesto, de R$ 16.500, administrado pela Spinelli. Regina explica que uma parte do dinheiro da poupança foi transferido para o clube de ações. E, todo mês, as participantes aplicam R$ 50 em poupança e um valor livre no clube de ações. "Resolvemos não aplicar tudo em ações, manter uma parte em renda fixa", explica.

Regina comemora os bons resultados do clube, que ganhou quase 13% neste ano até ontem com a alta da bolsa. Mas ela sabe que a aplicação é de longo prazo. "Pensamos mais para frente, quando o valor for maior, investir em um imóvel ou ter um negócio para a família", diz. Enquanto esse dia não chega, a família continua unida, seja nas festas, no investimento ou no coral Maria das Neves Baltazar, que está completando 50 anos. "Na verdade, a união da família é nossa maior riqueza", conclui Regina.