Título: Propostas do G-20 serão base de acordo agrícola, diz Lamy
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Brasil, p. A5

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, previu ontem que o acordo agrícola da Rodada Doha deverá ficar "provavelmente" em torno das propostas apresentadas pelo G-20, a aliança de países em desenvolvimento liderada pelo Brasil e que inclui China, Índia e Argentina.

"A negociação agrícola vai aterrissar em torno do que o G-20 colocou na mesa", disse Lamy. "Vai ser mais próximo do que o G-20 apresentou em 2005 do que das propostas de Estados Unidos, União Européia ou Japão. Isso já é claro."

O G-20 propôs corte médio de 54% nas tarifas agrícolas dos países ricos e 36% dos países em desenvolvimento, redução de 75% nas alíquotas mais elevadas, além de limite dos subsídios domésticos dos EUA para cerca de US$ 12 bilhões ao ano. Segundo o diretor da OMC, um acordo modesto não tem como passar. Terá de haver corte real nas tarifas e nos subsídios. Ele considera que já há na mesa compromissos com impacto duas a três vezes maiores do que da Rodada Uruguai. "Na rodada precedente, foi acertada redução de 20 a 30% nos subsídios agrícolas, agora se fala de 60% a 80%."

Lamy confia num entendimento no G-4 - Brasil, EUA, UE e Índia -, que pode acelerar a negociação em Genebra. Ele já evita repetir o óbvio, de que cada um tem que fazer concessões, e prevê a suspensão das férias de verão de agosto na OMC. "O acordo tem umas 30 mil páginas", disse.

Além de afrontar EUA e UE, Brasil e Índia terão um cuidado adicional nas negociações cruciais da Rodada Doha nas duas próximas semanas: evitar confronto entre eles próprios sobre mecanismos para países em desenvolvimento frearem importações agrícolas.

O agronegócio do Mercosul alerta que 66% de suas exportações vão para países em desenvolvimento, e não aceitará retrocesso nas condições de acesso às mercadorias para esses mercados. Exportadores do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai consideram que serão os mais afetados, se os mecanismos defendidos pelo G-33, grupo liderado pela Índia, forem aprovados como quer Nova Déli.

O G-33, que inclui também China, Indonésia e Venezuela, reafirmou "contornos" protecionistas que o ministro indiano Kamal Nath precisa defender na negociação do G-4, com o Brasil, EUA e UE, semana que vem em Potsdam (Alemanha). O grupo quer que um futuro acordo agrícola autorize países em desenvolvimento a designar "produtos especiais" sem dar compensação aos exportadores pela liberalização menor. Alguns desses "especiais" ficariam excluídos de redução tarifária, outros teriam corte menor.

Além disso, o G-33 enfatiza que um mecanismo especial de salvaguarda (SSM, a sigla em inglês), para frear súbito aumento de importações, deve ser autorizado para todos os produtos agrícolas. O mecanismo seria deflagrado a partir de gatilhos de preço e volume de importação, aplicados separadamente e a qualquer momento.

O agronegócio do Mercosul rejeita isso. Associações do bloco querem indicadores mensuráveis e transparentes para se definir "produto especial" e limitar sua aplicação e também limites para salvaguarda especial. No caso específico do Brasil, cerca de 52% das exportações agrícolas vão para países em desenvolvimento.

Indagado pelo Valor sobre o temor de exportadores brasileiros, Kamal Nath minimizou a questão. Argumentou que a Índia, por exemplo, importa cada vez mais do Mercosul e que está disposto a incluir "alguns" produtos agrícolas num acordo mais amplo de preferências comerciais - que também poderão ser afetados por mecanismos para frear sua entrada no mercado indiano.

O embaixador brasileiro junto à OMC, Clodoaldo Hugueney, alertou, durante reunião com o mediador da negociação agrícola, Crawford Falconer, que um mecanismo de salvaguarda especial não poderá impor sobretaxa superior à tarifa consolidada para o produto na Rodada Uruguai.

Boa parte dos membros do G-33 é membro também do G-20. Negociadores em Genebra estimam que, apesar dos comunicados pouco ou nada flexíveis, na prática exportadores e importadores agrícolas mostram desejo de convergirem e evitarem mais divergências na fase decisiva da negociação.