Título: Pacote brasileiro pode ter "potencial de disputa" , diz Lamy
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Brasil, p. A6

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, disse ontem que "o Brasil tem subsidiado sua indústria já há algum tempo", mas preferiu não analisar o pacote anunciado anteontem, alegando que, se houver "qualquer potencial de disputas por causa disso tenho que evitar comentários". Ele vê agora o país "sob pressão"' com as importações de produtos eletrônicos, calçados e têxteis, notando que "por isso aumentou as tarifas nos dois últimos".

Enquanto analistas em Genebra acham que o Brasil estará sujeito a ser denunciado na OMC por romper regras, Pascal Lamy preferiu destacar as flexibilidades que o acordo de subsídios dá aos países em desenvolvimento para, por exemplo, compensar empresas por algumas dificuldades.

Apesar disso, alertou que as subvenções "são acionáveis" pelo importador que ver nelas uma ameaça a suas indústrias. "Os países têm espaço para políticas industriais enquanto respeitam os códigos da OMC, que podem ser refinados", acrescentou, numa referência a iniciativas na Rodada Doha.

Ao ser indagado por jornalistas às 8h50 (3h50 no Brasil), Lamy já estava bem informado sobre o pacote, como admitiu. "O Brasil tem subsidiado sua indústria já há algum tempo", afirmou calmo e sorrindo, como se fosse quase um fato normal no país. "É parte do país ter uma forte visão de política industrial, fez isso no passado para etanol e para industria aeronáutica."

O diretor da OMC tratou de lembrar que houve "algumas disputas" no caso da ajuda à Embraer. A própria UE, inclusive quando ele era comissário de comércio, repetidamente ameaçou denunciar na OMC subsídios ao programa do álcool. Mais de 65% das importações de vestuário do Brasil vêm da China.

Para Lamy, o Brasil tem uma visão "moderna" de política de industrialização, que não tem nada a ver com a abordagem isolacionista dos anos 60. Segundo ele, a questão de subsídios industriais, e aí se inclui o pacote brasileiro, "não é uma grande questão", se comparada ao que ocorre em outras áreas da rodada global de negociação, como os subsídios ao setor pesqueiro.

Para certos analistas, além da ''compatibilidade duvidosa'' do Regime Especial de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap), a alteração na tributação nas importações de vestuários pelo Brasil parece "ainda mais problemática". A aplicação de preço de referência dá ampla margem para contestação diante dos juízes.

A alteração da tributação de importação de vestuário é vista como "inteligente", só que as regras da OMC estabelecem que, para estabelecer o valor aduaneiro, o país importador tem que utilizar o valor da transação. Um texto aprovado na Rodada Uruguai chega a destacar que os procedimentos de valoração "não devem ser utilizados para combater dumping" e que qualquer outra forma de tributação não pode ser baseada em valores aduaneiros "mínimos, arbitrários ou fictícios".

A questão é como o Brasil vai assegurar ao país exportador que a nova tributação não ultrapasse o equivalente da tarifa consolidada que o país pode aplicar sobre o produto. Por isso, negociadores prevêem que o pacote começará a ser alvejado no Comitê de Subsídios da OMC em sua próxima sessão, no segundo semestre. A OMC só investiga uma medida implementada por um país-membro se outro acioná-la. Uma investigação pode demorar muito.

Enquanto isso, a questão de política industrial volta firme à agenda da OMC. O Brasil defende a retomada de uma lista de subsídios industriais, que expirou em 2000, pela qual os governos poderiam conceder ajuda mais de uma vez, para cobrir perdas de indústrias ou para reestruturações, conceder perdão de dívidas diretas e subsidiar mais de 5% do custo total de produção de uma mercadoria.

Ontem, no entanto, a discussão na OMC foi sobre proposta dos EUA na outra direção. Washington retomou proposta de 2006, que expande a lista de subsídios proibidos a cinco novos tipos de ajuda que os governo usam para salvar empresas de falência. Os governos ficariam interditados de perdoar dividas das empresas, emprestar a companhias sem capacidade de crédito ou que não receberiam normalmente aporte de capital, ou para cobrir perdas operacionais.