Título: Mangabeira defende acúmulo de funções
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Política, p. A11

Complicou mais uma vez a nomeação do professor Roberto Mangabeira Unger para um cargo de ministro no governo Lula. O Palácio do Planalto foi informado de que, numa carta enviada no dia 23 de maio à Justiça americana, Mangabeira aventou a possibilidade de acumular o cargo de ministro com o de representante legal ("trustee") da Brasil Telecom (BrT) nos Estados Unidos. A posse do professor, prevista para amanhã, pode ser mais uma vez adiada.

A carta, datada de 23 de maio, é parte da disputa judicial que o professor de Harvard vem travando com a BrT. No documento assinado pelo advogado David A. P. Brower e endereçado ao juiz Edward F. Donnelly, do Tribunal de Sucessões e Família de Middlesex, no Estado de Massachusetts, Mangabeira diz, por meio de seus advogados, que decidiu não renunciar ao cargo de "curador do 'Trust'" nos Estados Unidos.

Ao apresentar suas justificativas, o professor dá a entender, na avaliação de assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que praticaria, no cargo de ministro, tráfico de influência, uma vez que ele admite que sua presença no Brasil geraria benefícios ao "Trust" (a Brasil Telecom).

"(...) o professor", diz a carta, "acredita, após levar em consideração a questão levantada pelo tribunal na conferência de 10 de maio de 2007, que disporá do tempo necessário para se desincumbir de suas responsabilidades como Curador e que, de fato, suas permanências mais freqüentes no Brasil poderão ecoar em benefício do 'Trust'."

Mangabeira Unger explica ao juiz que, para assumir o cargo de ministro, não renunciou à posição de professor de Direito da Universidade de Harvard.

Ele apenas pediu licença de um ano, diz a carta. O professor informa também que sua família permanecerá nesse período nos EUA, uma vez que seus filhos freqüentam escolas americanas. "Assim sendo, o professor Unger estará viajando entre o Brasil e a cidade de Cambridge muito regularmente (provavelmente a cada duas semanas) e estará disponível de forma geral para cumprir a agenda deste tribunal", diz a carta.

A carta irritou a cúpula do governo por duas razões. Primeiro, por causa do desejo de Mangabeira Unger de permanecer como "trustee" da BrT, uma decisão que contraria exigência feita pelo Palácio do Planalto para que ele assuma o cargo de ministro da Secretaria Especial de Planejamento Estratégico. Além disso, provocou forte estranhamento, no governo, o fato de ele ter dado a entender, na carta ao juiz americano, que sua presença no governo de alguma forma ajudaria a BrT.

As idas e vindas do professor, nesse caso, também irritaram o presidente Lula. Mangabeira, lembra um assessor direto do presidente, foi convidado a assumir o cargo de ministro no dia 20 de abril. Ele pediu um tempo para se licenciar de Harvard e, dez dias depois, entrou com ação na Justiça americana contra a BrT, exigindo direitos que lhe teriam sido negados nos últimos dois anos. A ação incomodou o governo porque três fundos de pensão ligados a empresas estatais são acionistas da BrT.

Na semana passada, o Conselho de Ética do governo brasileiro avisou a Mangabeira que, para assumir o cargo de ministro, ele deveria renunciar ao cargo de "trustee" da BrT. Depois de expedir a carta de 23 de maio ao juiz americano, avisando que não abriria mão do cargo, Mangabeira fez outra, esta renunciando, de fato, à posição.

Segundo um ministro, Lula nunca quis nomear Mangabeira Unger, que, em 2005, acusou seu governo de ser o mais corrupto da História. Só o fez para atender a um pedido do vice-presidente José Alencar. "O presidente tem uma dívida de gratidão com Alencar, que, em mais de quatro anos de governo, nunca lhe pediu nada", conta um auxiliar do presidente.

Por causa disso, o presidente Lula não consegue desfazer o convite ao professor de Harvard nem conversar com José Alencar para convencê-lo de que a nomeação é um equívoco. Ele acha que, graças ao constrangimento provocado pela disputa com a BrT, o professor de Harvard deveria renunciar à oferta.

O presidente avisou a assessores que não tratará do assunto com José Alencar, restando a algum assessor ou ministro tomar essa iniciativa por conta própria. Segundo um colaborador do presidente, os últimos acontecimentos deverão ter como efeito prático o adiamento da posse de Mangabeira, prevista para acontecer amanhã.

Outras nomeações do governo estão em compasso de espera. A mais importante diz respeito ao comando do Ministério das Minas e Energia. Márcio Zimmermann foi indicado pelo PMDB, com o aval da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas, antes de confirmá-lo, Lula espera definir quem presidirá a estatal Furnas. O Palácio do Planalto não tem restrição ao nome do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, indicado pelo PMDB, desde que seu padrinho político, o ex-governador Anthony Garotinho, não tenha influência na nomeação dos outros diretores da estatal. "O Conde só vai para Furnas 'blindado'", explicou uma fonte.