Título: Concepções equivocadas do novo pacote do governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Internacional, p. A14

É difícil encontrar virtudes nas medidas de apoio a setores prejudicados pela valorização do real anunciadas anteontem pelo governo. Elas se seguem à elevação das alíquotas de importação de confecções e calçados, que ainda dependem da chancela do Mercosul para entrar em vigor. O pacote de ajuda tributária e creditícia, que embute subsídio direto do Tesouro de R$ 1 bilhão, dificilmente resgatará a capacidade competitiva exportadoras dos setores contemplados - têxteis, confecções, calçados, artefatos de couro e móveis. E, como no passado e nas ocasiões em que se escolhem setores beneficiados, foram dadas inexplicáveis facilidades às montadoras e a fabricantes de bens eletroeletrônicos.

A Fazenda indicou que as medidas visam dar às empresas brasileiras as mesmas condições de seus concorrentes estrangeiros - desse ponto de vista são claramente insuficientes. O real valorizado afeta a capacidade competitiva de todos os exportadores, com menor intensidade para os que importam mais e maior para os que importam menos. Com a apreciação, ficaram nítidas as desvantagens das companhias brasileiras, ainda às voltas com tributos demais, e vítimas de burocracia torturante e infra-estrutura de baixa categoria. A competitividade geral da economia não crescerá com proteção ou subsídios, mas com mais eficiência, tributação razoável e simplificada e melhores condições de estradas e portos. Só ações abrangentes podem tirar o país desta armadilha, causada pelo avanço invejável dos fundamentos econômicos.

Isto não quer dizer, como parecem sugerir boa parte dos críticos, que seria necessário resolver todos esses problemas para que qualquer pacote para melhorar a competitividade possa ser eficaz. Há pacotes e pacotes. Em casos específicos e especiais, é razoável elevar as alíquotas de importação, mas elas têm de ter prazo para começar e terminar e objetivos a atingir, de forma a não perpetuar aquilo que deveriam ajudar a exterminar - as ineficiências. No caso de têxteis e calçados, isso não foi feito, nem se sabe se foi cogitado.

Os setores escolhidos para obter crédito a juros inferiores no BNDES para capital de giro, investimentos e exportação são intensivos em mão-de-obra. É razoável admitir que ramos industriais ameaçados de extinção - este é o risco com a avassaladora concorrência chinesa - tenham condições especiais e temporárias para a reconversão ou reestruturação produtiva, assim como para a reciclagem da mão-de-obra. Os R$ 3 bilhões de crédito praticamente quadruplicam os recursos tomados no BNDES por estes setores em 2006, de R$ 806 milhões, segundo a consultoria Tendências. Mas não há condicionalidades, exceto o tamanho do faturamento, nem prazo para que o financiamento equalizado pelo Tesouro termine. A tradição brasileira, nesses casos, é transformar em perene tudo que não tem prazo para acabar.

Por outro lado, não se entende por que a retirada do prazo de 24 meses para a utilização de crédito de PIS-Cofins na compra de bens de capital, que passa a ser imediata, foi restrita a poucos setores. Empresas dos setores beneficiados, produtivas ou não-produtivas, passam a ter um ganho tributário que suas congêneres de outros ramos não possuem.

Nesse caso, além de tudo, a escolha dos agraciados usou, o que também é uma tradição, uma estranha e incompreensível arbitrariedade: a inclusão dos setores automobilístico e eletroeletrônico na desoneração. Esses setores não estão em situação crítica de competitividade e são grandes importadores. No caso dos automóveis, gozam há anos da mais alta proteção tarifária do país, 35%. E, no caso dos eletroeletrônicos, boa parte dos fabricantes está na Zona Franca de Manaus, onde não se paga a maior parte dos impostos que infernizam as demais empresas do país.

O ruim de pacotes como esses, sem prazo para acabar, é que eles ampliam a já inacreditável teia tributária e dão benefícios desvinculados de resultados. O que é pior, parecem ser contagiosos. Já se fala em um novo pacote de bondades para estimular os investimentos de montadoras e fabricantes de eletroeletrônicos. Com prioridades altamente discutíveis como essas, o governo corre o risco de partir para o favorecimento puro e simples.