Título: O Brasil e a cúpula do G-8
Autor: Nasser, Rabih Ali
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Opinião, p. A15
Entre os resultados da cúpula do G-8 que se encerrou na última sexta-feira, é especialmente relevante para o Brasil o lançamento do chamado Heiligendamm Process, uma iniciativa que leva o nome do balneário alemão em que ocorreram as reuniões.
Ele é definido como "um diálogo sobre temas-chave da economia mundial, com o objetivo de alcançar resultados concretos até a cúpula do G-8 de 2009, na Itália". O objetivo é manter, durante os próximos dois anos, discussões mais estruturadas em torno dos seguintes temas: promoção de investimentos internacionais, promoção e proteção de pesquisa e inovação (leia-se propriedade intelectual), combate às mudanças climáticas, cooperação no setor de energia, e desenvolvimento sustentável, com ênfase no combate à pobreza na África.
Há várias leituras possíveis a respeito das implicações dessa iniciativa para o Brasil, desde as céticas às mais otimistas. Alguns dirão que se trata de mais uma iniciativa diplomática sem maior relevância prática. Para outros, este é o reconhecimento da liderança que o Brasil exerce no mundo em desenvolvimento. Uma análise mais pragmática, no entanto, tende a ser mais útil para entender como os interesses brasileiros serão afetados.
Em primeiro lugar, o G-8 só tomou essa iniciativa porque ela é tida como do interesse dos seus integrantes. Ela reflete a percepção de que é preciso dar maior peso à participação, hoje apenas marginal, do Brasil e dos outros quatro grandes países emergentes (China, Índia, África do Sul e México) nas discussões do grupo. Não por cortesia, mas porque esses países respondem por uma parte substancial do PIB e da população mundiais. Assim, é cada vez mais difícil, tanto em termos de eficácia quanto de legitimidade, decidir sobre temas importantes sem o envolvimento deles.
A questão da segurança energética e a busca de fontes de energia renováveis ilustram bem esse ponto. A liderança do Brasil na área de biocombustíveis o transforma em interlocutor necessário. O peso demográfico e o ritmo de crescimento da Índia e da China tornam essencial seus engajamentos em temas como mudanças climáticas e proteção da propriedade intelectual.
Em segundo lugar, os países industrializados parecem ter decidido criar um foro mais restrito para discussão de temas que lhes são caros com países relevantes no cenário internacional. Isso é visto, provavelmente, como uma forma mais eficaz de obter avanços do que discuti-los em organismos multilaterais, como a ONU ou a OMC. Ainda mais quando se considera que a resistência mais eficiente a soluções desequilibradas parte sempre dos maiores países em desenvolvimento, como foi o caso do G-20, impulsionado e liderado por Brasil e Índia. Em se chegando a consensos com os maiores países em desenvolvimento, fica mais fácil estender as soluções ao resto do mundo.
-------------------------------------------------------------------------------- O Brasil não ratificou os acordos bilaterais que assinou, nem está disposto a assumir compromissos sobre o tema nas negociações comerciais de que participa --------------------------------------------------------------------------------
Como exemplo, tome-se a questão dos investimentos internacionais. Os países mais ricos não conseguiram incluir o tema da promoção e proteção de investimentos na agenda da Rodada Doha. Tampouco conseguiram fechar, na década de 1990, um acordo sobre proteção de investimentos no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); contudo, eles têm acordos bilaterais de proteção de investimentos assinados com muitos países de pouco relevância econômica. Brasil e outros grandes países em desenvolvimento têm resistências históricas a regras excessivamente restritivas sobre esse tema. O Brasil não ratificou os acordos bilaterais que assinou, nem está disposto a assumir compromissos substanciosos sobre o tema nas negociações comerciais de que participa.
Em propriedade intelectual, não é diferente. O Brasil se recusa, como ocorreu nas negociações da ALCA, a aceitar regras mais estritas sobre propriedade intelectual do que as previstas no acordo TRIPs da OMC. Além disso, acaba de usar o mecanismo de licenciamento compulsório da patente de um medicamento anti-aids, criando um precedente perigoso para os interesses dos países mais ricos. As reticências da Índia e da China nesse tema também são largamente conhecidas.
A exemplo dos países do G-8, o Brasil deverá encarar esse processo como uma oportunidade de fazer avançar seus próprios interesses. O sucesso desse esforço dependerá da nossa capacidade de formular, internamente, políticas (de preferência, de Estado) claras a respeito dos temas envolvidos e de forjar, externamente, soluções que sejam vistas pelos demais participantes como mutuamente benéficas.
Na questão dos investimentos internacionais, por exemplo, a participação no processo impõe que o Brasil defina quais tipos de regulação internacional (multilateral ou bilateral) está disposto a aceitar, levando em consideração que está se tornando também um exportador de investimentos. O país certamente será pressionado sobre este tema, mas não precisará ficar na defensiva. Uma análise das legislações dos países ricos mostra que possuem regras que restringem a "liberdade de investimentos" que os membros do G-8 querem ver difundida. O Canada Investment Act e o Committee on Foreign Investment in the US, por exemplo, são utilizados pelo Canadá e pelos EUA para analisar investimentos estrangeiros nesses países, e podem levar à imposição de restrições ou mesmo à rejeição de um negócio.
Em suma, ao mesmo tempo em que este processo dá ao Brasil a possibilidade de se fazer ouvir e defender seus interesses em temas relevantes, deve servir de indutor para a definição de posições claras e bem informadas a respeito deles.
Rabih Ali Nasser é doutor em Direito Internacional pela USP. Professor do Gvlaw (FGV/SP). Sócio de Albino Advogados Associados.