Título: Consumo de água no campo é preocupante
Autor: Torikachvili, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Empresas, p. B3

"Produtor no vermelho não cuida do verde". O alerta, de Cláudio Pádua, membro da Iniciativa Brasileira de Verificação da Atividade Agropecuária, é a mais perfeita tradução de que o meio ambiente terá a atenção que merece quando o produtor tiver renda suficiente que atenda suas necessidades básicas. "O caminho é agregar valor à exportação de matérias-primas, mas ainda precisamos resolver as barreiras alfandegárias, técnicas, tecnológicas", diz ainda Pádua.

No segundo dia da Conferência do Instituto Ethos, algumas associações de produtores de soja, contudo, mostraram que já encontraram caminhos para criar padrões técnicos e critérios para a produção responsável com parceria de stakeholders. A Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove) é uma delas. Fábio Trigueirinho, o presidente da associação, revela que a experiência na área ambiental foi uma pressão da comunidade e que hoje já podem ser verificados alguns avanços na área. A erradicação do trabalho escravo e a instituição do agronegócio responsável são algumas providências que Trigueirinho classificou como o grande salto em busca da sustentabilidade no setor.

Embora a preocupação da vez sejam os desastres climáticos, os técnicos ligados à agricultura deixaram claro que a água deveria ser urgentemente incluída nessas considerações. Para ilustrar, o vice-presidente da WWF, Jason Clay, fez uma conta rápida: mostrou que uma simples xícara de café da Starbucks consome 208 litros de água para ser produzida - entre a fabricação da tampa, da xícara, o consumo de energia, açúcar, leite, café, embalagem e água. "Imagine um mundo com 6 bilhões de pessoas consumindo nessa proporção."

Nesse esforço de redução, Clay citou o compromisso que a WWF estabeleceu com a Coca-Cola no sentido de diminuir o consumo de água na fabricação do produto. Há dez anos, conta ele, a Coca-Cola consumia 3,4 litros de água para fazer um um litro de refrigerante. "Hoje consome 2,7 litros para produzir a mesma quantidade, mas deve chegar em breve a 2,4 litros", contou. O trabalho da entidade, contudo, é bem mais amplo, segundo Clay. É necessário também reduzir a quantidade de água que as turbinas da hidrelétrica precisam para funcionar. Clay calcula que, para um lata de refrigerante, as turbinas precisam de 60 litros de água. "Esses impactos ainda estão à espera de solução."

As mudanças requerem tempo. Até as parcerias necessárias para que elas ocorram também levam tempo para serem estabelecidas. "Precisamos ser mais estratégicos e identificar oportunidades; reduzir os principais impactos e localizar a cadeia de valor", Clay cita a receita: "Podemos operar a maior mudança com menos riscos, desde que as empresas, as organizações sociais e os governos estejam interessados em agir em conjunto".

Para Pádua, porém, a receita ainda está longe de ser descoberta. Apesar de o Brasil ser uma superpotência agrícola e maior exportador mundial de muitas culturas, isso ainda não se reflete no PIB e muito menos fornece qualquer perspectiva de agricultura sustentável. De qualquer forma, a tentativa de encontrar um caminho está no Brasil mesmo, com a contribuição de técnicos e empresários brasileiros, a partir das características e necessidades nacionais.

Nesse particular, Pádua diz que o primeiro cuidado deve ser com o grande consumo da água na agricultura. "Junto com os alimentos que exportamos, exportamos também a água", diz. "Descobrir um uso mais racional é urgente."

Para resolver essas questões, Décio Zylbersztajn, professor da Faculdade de Economia da USP e fundador do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa), propôs a concentração de setores como forma de conseguir uma negociação melhor. Para isso são necessários tempo e investimentos em novas tecnologias que serão aplicadas no sistema produtivo. Uma legislação que contemple a cobrança pela água também foi citada pelos participantes da conferência.