Título: Friboi ajusta gestão para expansão global
Autor: Rocha, Alda do Amaral
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2007, Agronegócios, p. B14

"Não dá para sonhar uma coisa dessas", diz Joesley Batista, presidente da JBS, que controla o frigorífico Friboi, sobre comprar a americana Swift e se tornar a maior empresa de carne bovina do mundo.

Podia não estar nos sonhos, mas foi isso que aconteceu depois que, em abril, o JP Morgan bateu em sua porta. O banco de investimentos foi contratado pela Swift para procurar interessados em comprá-la, e incluiu a JBS na lista. Não por acaso, o mesmo JP Morgan havia coordenado, no Brasil, a abertura de capital da JBS, consumada um mês antes.

Para Batista, o sucesso da oferta pública de ações da empresa, que captou R$ 1,2 bilhão, foi fundamental para credenciá-la a fazer parte da lista do banco, na qual também apareciam gigantes americanas como Cargill e Smithfield.

Mas não só isso. Segundo ele, uma conjunção de fatores positivos conspirou para o surpreendente negócio de US$ 1,4 bilhão ser fechado. Entre eles, enumera, a liquidez do mercado mundial, o bom desempenho do segmento de carne bovina e a estabilidade econômica brasileira - além, é claro, de uma "dose de ousadia" testada antes com a compra da Swift Armour da Argentina, em 2005.

"Não dá para colher resultado com zero de risco", avalia. Concorrentes reconhecem que a tacada foi ousada, mas lembram que a euforia que se seguiu a ela não será suficiente para gerir o gigante criado com o negócio. É preciso mais.

"Eles são iluminados, bem-sucedidos comercialmente. Mas agora, todos estão de olho na JBS, e ela terá de responder", comenta uma fonte da indústria. "Eles", no caso, são o próprio Batista e seus dois irmãos, José Batista Júnior e Wesley, as cabeças por trás do desafio.

O negócio da família foi iniciado pelo pai dos três, José Batista Sobrinho (suas iniciais formam o nome da empresa hoje), há 54 anos. Na época, Zé Mineiro, que também tem três filhas, "puxava" gado e vendia os animais para abatedouros na região de Anápolis (GO).

Em 1953, abriu um açougue na cidade e quatro anos depois foi abater gado no Núcleo Bandeirantes, cidade criada nos arredores de Brasília para abrigar os trabalhadores que levantaram a Capital. Batista Sobrinho fornecia a carne para as cozinhas industriais que alimentavam operários no local.

Pois a empresa fundada por "caipiras goianos", como muito se repete, foi muito além. E, ao adquirir a Swift americana - que faturou US$ 9,6 bilhões em 2006, mas estava em crise desde 2004 -, mudou definitivamente de patamar.

São muitos os desafios para provar que o passo não foi maior do que a perna, e o primeiro deles é superar a diferença de portes e culturas entre controladora e controlada. Mas isso não incomoda o Friboi, que em 1995 iniciou uma onda de aquisições, com a compra do frigorífico Anglo, que um dia foi de capital inglês.

"A gente se sente à vontade com qualquer cultura. Quando compramos o Anglo, a empresa carregava cultura inglesa". Depois do Anglo, vieram outras aquisições: a área de bovinos da Sadia (empresa que voltou recentemente ao segmento), os frigoríficos Mouran, Araputanga, Frigovira, Swift Bordon - no qual chegou a ter parceria com o Bertin, na BF -, Sola, Frigomarca e Swift Armour, este na Argentina. No fim das contas, resume o presidente da JBS, "somos todos matadores de boi".

No discurso, a diferença cultural pode até não assustar, mas quem vai aparar as arestas que fatalmente surgirão são os irmãos Wesley, que será o CEO da Swift, e Júnior, que já presidiu o Friboi e hoje é membro do conselho de administração da JBS. O cargo de Júnior não está definido, e os demais postos da nova estrutura da Swift só serão definidos após o "closing" da operação, em julho.

Na atual transição, uma co-gestão está cuidando da Swift. O grupo inclui Sam Rovit, contratado pela antiga controladora da empresa americana, a HM Capital Partners, com mandato até a venda da companhia.

Batista não antecipa outros nomes da equipe nos EUA. "Tem muita gente boa, aqui e lá". E ele afirma que "não há predileção por brasileiros, argentinos ou ingleses. Queremos gente com o jeito da empresa". Gente como o inglês Iain Mars, que no Brasil atuou nos frigoríficos Anglo e Minerva e que está de malas prontas para a filial australiana da Swift.

Segundo especialistas, para competir "num mercado de cachorro grande", o Friboi terá de acelerar ainda mais seu processo de profissionalização, iniciado com a decisão - pioneira no segmento de carne bovina - de abrir o capital. "Nas empresas familiares, o desafio é abrir mão de poder e entregar a chave do cofre", afirma um executivo que viveu a transição de uma grande empresa familiar que se profissionalizou e abriu o capital.

Joesley Batista rebate: "É um erro tremendo a ótica de que não somos profissionalizados". Prova disso, diz, é que apenas duas pessoas da família estão na direção. "Nem meu pai tem cargo".

Ainda assim, insistem as fontes, os sinais da administração familiar são visíveis. O trabalho intenso a qualquer hora. "Lá, [a direção] trabalha 24 horas por dia. Para eles é normal alguém ligar de Hong Kong às três da manhã para tratar de negócios". A centralização na tomada de decisões seria outro. Afinal, profissional ou não, é o olho do dono que engorda o boi.