Título: Depoimento de advogado aumenta incertezas sobre Renan
Autor: Ulhôa, Raquel e Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2007, Política, p. A8

O depoimento do advogado Pedro Calmon Mendes ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado pode agravar a situação do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ele é investigado por quebra de decoro, por suspeita de usar recursos de uma empreiteira em pagamentos à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha de três anos. Calmon não contribuiu para esclarecer a origem do dinheiro dado a Mônica, mas acrescentou a acusação de omissão de rendimentos à Justiça.

As implicações do depoimento serão avaliadas pelos partidos e integrantes do Conselho hoje. A votação do parecer de Epitácio Cafeteira (PTB-MA) que absolve Renan, marcada para esta terça-feira, foi adiada para amanhã. O senador licenciou-se mas o presidente do Conselho, Sibá Machado (PT-AC) decidiu acumular o cargo em vez de promover a escolha de um outro relator, o que poderia resultar num parecer distinto do arquivamento. O Conselho aguarda o resultado da perícia da Polícia Federal em documentos apresentados por Renan para comprovar operações de venda de gado - que justificariam seus rendimentos.

Advogado de Mônica, Calmon revelou que, depois do reconhecimento da paternidade (em dezembro de 2005), além da pensão judicial de

R$ 3 mil, Renan passou a pagar à jornalista R$ 9 mil por fora. Segundo Calmon, esse pagamento foi previsto em acordo "extrajudicial" proposto pelos advogados do senador, Eduardo Ferrão e Paulo Baeta. Seria uma forma de Mônica manter os mesmos R$ 12 mil que recebia antes do reconhecimento da paternidade.

"O acordo foi feito de maneira extrajudicial, porque os rendimentos apresentados pelo senador só comportavam uma pensão de R$ 3 mil", afirmou Calmon. Uma pensão judicial de R$ 12 mil seria incompatível com os únicos rendimentos que Renan declarou à Justiça: os de senador (pouco mais de R$ 9 mil, líquidos).

"Foi mais uma acusação contra Renan, de omitir rendimentos, já que ele, pelo depoimento de Calmon, não declarou suas atividades agropecuárias", afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que é promotor de Justiça. O presidente do Senado declarou ao Conselho de Ética rendimentos provenientes de atividade rural - principalmente venda de gado - para comprovar que tinha capacidade de arcar com as despesas pessoais.

Segundo o próprio Renan admitiu publicamente, inclusive em discurso no Senado, ele fez pagamentos mensais à jornalista, de março de 2004 a dezembro de 2005, de R$ 12 mil. Os repasses eram informais, já que a relação entre eles não era pública. O dinheiro era entregue por Cláudio Gontijo, funcionário da Mendes Júnior, amigo do pemedebista. Gontijo foi o segundo depoente de ontem ao Conselho. Ele reafirmou que o dinheiro entregue a Mônica era de Renan.

Durante o depoimento de Calmon, os senadores do PMDB tentaram desqualificar sua atuação profissional. O senador Valter Pereira (PMDB-MS) questionou-o sobre o fato de o advogado ter assinado recibo atestando que sua cliente recebeu R$ 100 mil (em duas sacolas de R$ 50 mil, cada uma) a título de instituição de um fundo para arcar com despesas educacionais futuras.

"O senhor diz que o documento é de mentirinha. É, no mínimo, uma infração", disse o senador do PMDB. Mesmo tendo assinado, Calmon nega que a finalidade do dinheiro seja a constituição de um fundo. Disse tratar-se de um "documento simulado". Teria assinado porque, do contrário, Mônica não receberia os recursos, repassados para compensar atrasos na pensão. "Quem produziu o documento foi aquele advogado ali", disse Calmon, apontando o dedo para o advogado de Renan, que assistiu à sessão. Acompanhado do pai, o também advogado Pedro Calmon, o advogado de Mônica trocou acusações com Ferrão, além de se indispor com senadores.

O senador Almeida Lima (PMDB-SE) leu documentos do processo judicial e atas de audiências de concililiação, além de correspondência e e-mail de Mônica, que deveriam estar judicialmente protegidos. Lima também levantou suspeição de que ambos teriam chantageado Renan. Calmon considerou tudo "um dossiê apócrifo" e criticou a conduta do Conselho. "Agora entendi o objetivo do convite. É colocar uma cortina de fumaça em cima das questões principais", afirmou Calmon.

Os senadores também querem examinar se Renan declarou os R$ 100 mil no Imposto de Renda. Integrantes do Conselho alertam que, se o dinheiro não estiver declarado, a origem é clandestina.

Ao deixar o Senado, às 20h30, Renan chamou Calmon de "Pinóquio". Mas não negou de forma direta o pagamento extra dos R$ 9 mil: "Sempre quis esclarecer tudo. Concordei com o depoimento do Pinóquio e do Cláudio Gontijo".

Ontem em São Paulo, lideranças do Democratas defenderam que Renan se afaste do cargo de presidente do Senado, até que terminem as investigações. "Renan deveria se afastar do cargo até que a investigação comprovasse, de maneira clara, que toda a documentação oferecida é fidedigna e estão corretamente justificados todos os dispêndios dele. Em qualquer país do mundo esta seria uma decisão pessoal. Lamentavelmente no Brasil as questões públicas e privadas são misturadas", afirmou o líder do DEM na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS). O deputado disse ainda que Renan "não está tendo a consciência de que ele não pode usar a presidência do Senado e do Congresso Nacional como um escudo pessoal".

O senador Demóstenes Torres (GO) afirmou que "aeticamente", Renan já decidiu permanecer no cargo. O goiano criticou a forma como os procedimentos internos vem sendo tomados desde a eclosão do caso. "Desde o início o Senado está sangrando, quando deveriam ter sido observados os procedimentos corretos e não foram. Por que mandar para a Corregedoria quando o certo era para o Conselho de Ética? Daí vem a pressão e resolvem tornar o procedimento correto. Aí resolvem fazer uma perícia. Mas quais foram as perguntas feitas aos peritos? Porque perícia de verdade tem que designar dois peritos, estipular prazo mínimo de 30 dias com prorrogação, temos direito de fazer perguntas. Está sendo periciada só a autenticidade dos documentos. Eles podem ser autênticos, materialmente, mas podem ser ideologicamente inautênticos, pois um documento público verdadeiro pode ter uma incorreção de conteúdo."

Mais brando, o líder da legenda no Senado, Agripino Maia (RN), disse que o afastamento é uma decisão unilateral de Renan. "É uma questão de foro íntimo. Agora, que a situação está criando constrangimento ao Senado, está. Se eu estivesse no lugar dele teria pedido o afastamento, mas em cada cabeça uma sentença". Agripino também criticou a velocidade com que o Conselho de Ética pretende encerrar o caso. "A elucidação das provas se impõe, o que não pode é ser feito em 48 horas".

Mesmo com as críticas, nem todos os representantes do DEM devem votar contra o arquivamento do caso. O DEM tem três das 15 cadeiras no Conselho de Ética. Duas delas, ocupadas por Heráclito Fortes (PI) e Demóstenes Torres (GO), votariam contra. A terceira, de Adelmir Santana (DF), que assumiu a vaga de Paulo Octávio, eleito em 2006 vice-governador do Distrito Federa, votaria a favor.