Título: Com o dr. Goodnight, entrar na SAS é difícil e sair, quase impossível
Autor: Rosa, João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2007, Empresas, p. B2

Se você é fã de "A fantástica fábrica de chocolate" - o livro de Roald Dahl ou qualquer dos dois filmes baseados na obra - saiba que esse lugar existe. Ou, pelo menos, sua versão empresarial. Fica em Cary, na Carolina do Norte, e ocupa uma área de 1,214 milhão de metros quadrados, um pouco menor que o Parque do Ibirapuera em São Paulo. Lá não existem rios de chocolate, mas seus habitantes, distribuídos entre 22 edifícios envidraçados, têm à disposição todos os M&Ms que conseguirem comer. Também não há duendes "Oompa Loompas", mas com academia de ginástica, piscina, quadras, salão de beleza, hospital, escola para os filhos e horário de trabalho flexível, quem precisa deles?

Isso tudo é parte do que Jim Goodnight oferece aos mais de 4 mil funcionários que trabalham no quartel-general da SAS, a empresa de software que ele criou em 1976. Dono de uma fortuna de US$ 4,5 bilhões - o que faz dele o 52º homem mais rico dos Estados Unidos, segundo a revista "Forbes" -, Goodnight não apresenta nenhuma das esquisitices que Gene Wilder e Johnny Depp emprestaram ao sr. Wonka, o dono da fábrica no cinema. Mas, à sua maneira, esse empresário de 63 anos também criou uma companhia singular.

Na ficção, as crianças precisavam encontrar um bilhete dourado, escondido em uma barra de chocolate, para entrar na fábrica. Ingressar na SAS também não é fácil. Candidatos a uma vaga enfrentam uma seleção severa e investidores... bem, esses não entram de jeito nenhum. Na pátria do mercado de capitais, Goodnight conseguiu encravar a maior companhia de software de capital fechado do mundo. A SAS não negocia ações em bolsa e, se depender dele, vai continuar assim.

"Você está confundindo as coisas...", diz o empresário, quando pergunto porque ele resiste tanto a Wall Street. "Nos EUA, as empresas listadas em bolsa estão fechando o capital e não o contrário."

Pode haver um certo exagero na afirmação, mas a tendência de fato existe. "Há muitas restrições e regulamentos, como a [lei] Sarbanes-Oxley", justifica o empresário, com sua proverbial concisão e tom de voz grave. As novas regras são uma reação do governo americano a escândalos como os da Enron, WorldCom e Tyco, que lesaram milhares de pequenos investidores. Para garantir a transparência desejada, a legislação estabeleceu penas mais pesadas para os criminosos de colarinho branco, mas criou um emaranhado de exigências que elevou as despesas das companhias abertas e tornou as candidatas à bolsa mais desconfiadas.

Outro fator que favorece Goodnight e sua tese é a fome insaciável dos fundos que vivem de comprar participações em outras companhias. Com muito dinheiro em caixa, eles têm feito compras que pareciam inimagináveis tempos atrás, a ponto de especialistas dizerem que até gigantes como a IBM, com valor de mercado de US$ 156 bilhões, poderiam virar suas presas. É difícil acreditar nisso, mas em fevereiro um grupo liderado pela Kohlberg Kravis Roberts demonstrou do que esses fundos são capazes ao comprar a companhia de energia Texas Pacific por US$ 45 bilhões.

Um dos caminhos para as empresas de participação é justamente fechar o capital das companhias adquiridas e desmembrá-las, vendendo os pedaços isoladamente ou levando as partes de volta à bolsa. Sem a menor chance de ser alvo de um negócio desses, já que não tem ações à venda, a SAS está a salvo do temporal. "Se não há dívidas e a empresa tem dinheiro no banco, por que abrir o capital?", resume Jim Davis, o animado vice-presidente sênior e principal executivo de marketing da SAS. "Para apoiar a inovação é preciso ter uma visão de longo prazo e eu não acho que o modelo de Wall Street favoreça isso."

Inovação é uma palavra mágica no reino de Goodnight. A SAS investe 24% de sua receita em pesquisa e desenvolvimento. Proporcionalmente, é muito mais do que a maioria das empresas de tecnologia, incluindo as maiores do setor: a Oracle investiu 13% do faturamento em P&D em 2006; a SAP, 14%; e a Microsoft, quase 15%.

Goodnight diz que isso é essencial para a sobrevivência do negócio. Ele fundou a SAS em 1976, mas já havia criado a sigla ("statistical analysis software", algo como software de análise estatística) seis anos antes, ao desenvolver um sistema para avaliação de dados na agricultura, junto com três colegas, incluindo John Sall, um vice-presidente da SAS. Como muitas outras histórias no setor de tecnologia, essa também começou em uma escola - a NC State University -, com a diferença de se passar na Carolina do Norte em vez do Vale do Silício, na Califórnia, como é mais comum.

Em três décadas, o número de funcionários da SAS aumentou de sete para pouco mais de 10 mil e o faturamento saltou de US$ 138 mil em 1976 para US$ 1,9 bilhão no ano passado. Em 2007, a previsão é chegar a US$ 2,2 bilhões. Nesse tempo todo, a empresa diz nunca ter tido prejuízo, embora não divulgue balanço financeiro.

Goodnight insiste que uma das razões desse desempenho é a inovação. "Outro dia eu perguntei a David Roux [co-fundador da empresa de participações Silver Lake Partners] o que ele procurava em uma empresa de tecnologia para investir", conta o empresário. "Duas coisas, ele respondeu: uma boa área de pesquisa e desenvolvimento e alta satisfação dos clientes. Se você tem isso, pode consertar qualquer outra coisa."

Talvez seja por isso que até hoje Goodnight ainda dedique tempo à tarefa de escrever programas, mesmo tendo um exército de engenheiros. "Adoro programar. É gratificante", diz, calmamente. Em contrapartida, ele odeia perder tempo em reuniões: quando acha que elas perderam o sentido, se levanta e vai embora. "Às vezes a reunião continua, às vezes acaba", comenta. Se fosse outra pessoa, talvez isso gerasse desconforto. Mas em se tratando de Goodnight, ninguém leva a mal. Quem, afinal, se ressentiria do sr. Wonka?

O repórter viajou a convite da SAS