Título: Fundos lucram com papéis mais longos
Autor: Vieira, Catherine e Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2007, Finanças, p. C3

Quanto maior o risco, mais robusto tende a ser o ganho, diz a teoria. No Brasil, no entanto, a máxima, que já foi subvertida na época do juros altíssimos, voltou a ser desmentida. Mesmo com a alta superior a 20% ostentada pelo índice Bovespa no acumulado deste ano, os títulos públicos de longo prazo conseguem superar esse percentual. As NTN-Bs com vencimento em 2045, por exemplo, acumulam variação de 26% em 2007 e os principais beneficiados com esse cenário têm sido os fundos de pensão, principais compradores desses papéis.

Os ganhos médios de alguns fundos, como a Real Grandeza, dos funcionários do sistema Furnas chegam a 9,58% até abril. Já a Valia, da Vale do Rio Doce, ganhou 8% nesse período, enquanto a Petros alcançou 5,7% em quatro meses. Nos quatro primeiros meses do ano o CDI variou 4%.

As NTN-Bs pagam a variação do IPCA mais um cupom, que equivale ao juro real embutido nos títulos. De acordo com estimativas do Tesouro, do total de NTN-Bs longas (com vencimento em 2024, 2035 e 2045) alocadas em fundos de investimento, cerca de 65% correspondem a aplicações dos fundos de pensão. No início de janeiro, esse percentual era um pouco inferior a 60%. Desde o início deste ano o cupom embutido nesses papéis vem fechando, o que traz ganhos, pelo método de contabilização a preços de mercado, para os investidores que já possuem o papel em carteira.

Com a carteira recheada desses papéis, a Fundação Real Grandeza teve a maior rentabilidade do seu histórico. Segundo o presidente do fundo, Sérgio Wilson Fontes, até maio, os ganhos alcançaram 14%. "Desde novembro do ano passado tomamos a decisão de reforçar a carteira de NTN-Bs longas", explica Fontes.

Segundo ele, os recursos que entraram de novas contribuições de participantes e também de CDBs e outros títulos mais curtos que venceram no período foram direcionados para os papéis atrelados à inflação de longo prazo. "Embora boa parte do mercado estivesse tendendo para aumentar a alocação em renda variável, fomos na contramão. Optamos por esses papéis e o retorno foi recorde. O ganho é de R$ 675 milhões até agora, mais que todo o volume acrescentado no ano passado ", afirma. A Real Grandeza tem hoje cerca de R$ 6,4 bilhões de patrimônio.

Já na Petros, fundo de pensão dos petroleiros, o ganho acumulado só não foi maior porque uma parte da carteira corresponde a um lote de NTN-Bs longas que não são marcadas pelo valor de mercado. Segundo o diretor financeiro, Ricardo Malavazi, os primeiros meses foram muito positivos por conta da combinação da bolsa em alta com o fechamento das taxas embutidas nos títulos públicos longos.

Na Valia, o alongamento dos prazos também tem rendido bons retornos. A estratégia se intensificou nos últimos anos, explica o diretor de investimentos, Manoel Cordeiro. "Em 2000, o prazo médio do nosso portfólio era de pouco mais de 120 dias e hoje já e de dois mil dias", conta ele. O ganho acumulado este ano até abril foi de cerca de 8%, e Cordeiro acredita que pode chegar ao fim do ano com uma rentabilidade de 20%. Com isso, o patrimônio da Valia, hoje em R$ 8,8 bilhões, se aproximaria dos R$ 10 bilhões, diz o dirigente.

Segundo o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Paulo Valle, ocorreu um ciclo virtuoso, pois, ao começar o processo de fechamento das taxas, os investidores intensificaram as compras, fazendo com que os cupons se reduzissem ainda mais. Essa busca por títulos mais longos atrelados a índices de preço teve início no final de 2005, lembra o gerente da dívida pública do Tesouro, Jeferson Luis Bittencourt. "Fizemos várias palestras com os fundos a pedido da Abrapp, para a migração para títulos mais longos", afirma. A intenção era sinalizar a necessidade dos fundos deixarem os papéis que pagavam a variação da Selic (LFT) e passassem a olhar para um referencial (benchmark) de mais longo prazo com variação pelos índices de preços (NTN-B).

Na época, as NTN-Bs com vencimentos entre dois e quatro anos pagavam juros de 12%, mais a variação do IPCA. Como os fundos têm, em geral, metas vinculadas a índices de preços, mais uma taxa fixa, o caminho "natural", segundo Bittencourt, são esses títulos. "Esse rendimento é muito confortável para quem tem passivo em inflação mais 6%. É totalmente casado", completa.

Uma contribuição para esse processo de migração, segundo o gerente do Tesouro, foi a entrada do investidor estrangeiro nesse período, o que trouxe mais liquidez para esses papeis. Hoje, a participação está em torno de 3,5% concentrada em títulos ou prefixados, ou atrelados a índices de preços e com vencimentos acima de cinco anos. Os estrangeiros contribuíram, também, para a queda das taxas mais longas, que caminham para a convergência com as taxas dos títulos soberanos emitidos no exterior.