Título: New York Times repensa o seu futuro
Autor: BusinessWeek
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2005, Empresas &, p. B4

Desde 1896, quatro gerações da família Ochs-Sulzberger conduziram o "The New York Times" através de guerras, recessões, greves e crises familiares. Em 2003, porém, Arthur Ochs Sulzberger Jr., o atual proprietário, enfrentou o que parecia ser o teste definitivo para uma publicação, depois da descoberta que um jovem repórter chamado Jayson Blair havia inventado dezenas de reportagens. As revelações desencadearam uma revolta na redação que forçou Sulzberger a demitir o editor-executivo, Howell Raines. "Estou de coração partido", admitiu ele ao seu staff no dia em que mostrou a porta da rua a Raines. Acontece, porém, que o destino não parou de gerar situações difíceis para Arthur Sulzberger, que também é presidente do conselho da controladora do jornal, a New York Times Co. O descontentamento que provocou uma convulsão na redação do "The New York Times" comandada pelo tirânico Raines desvaneceu-se sob a liderança moderada de seu sucessor, Bill Keller, mas agora o problema é o desempenho financeiro. A ação da NYT Co. está sendo negociada a US$ 40, uma queda de 25% em relação ao pico de alta de US$ 53,80 registrado em meados de 2002, e há um ano e meio vem tendo um desempenho inferior ao de ações de muitas outras companhias jornalísticas. "Seus números nessa recuperação estão à beira do abismo", observa Douglas Arthur, analista do Morgan Stanley. Enquanto isso, a outrora autoridade do Olimpo do "Times" está sendo corroída não só por seus fiascos - do escândalo Blair às reportagens equivocadas sobre as armas de destruição em massa no Iraque -, mas também por profundas mudanças na tecnologia das comunicações e no clima político dos Estados Unidos. Há quem sustente que o jornal encolheu permanentemente, juntamente com o resto do que hoje é chamado em alguns círculos, de uma forma depreciativa, de "a grande imprensa". "O Império Romano que era a mídia de massa está desmoronando, e nós estamos entrando em um período quase feudal em que haverá muito mais centros de poder e influência", afirma Orville Schell, diretor da Faculdade de Jornalismo da Universidade da Califórnia. O orgulho que Sulzberger carrega, aos 53 anos, em seu legado jornalístico é palpável, e seu conhecimento sobre a história do "Times", enciclopédico. Ele começou uma entrevista para este artigo pegando um grande pedaço de metal de uma mesa de uma sala de reuniões e brandindo-o ameaçadoramente. "Faça as perguntas que quiser", disse ele, depositando depois o objeto em um ponto menos inoportuno e explicando calmamente que se tratava de um prêmio. Sulzberger, que sucedeu seu pai como editor em 1992 e como presidente do conselho em 1997, já salvou o "The New York Times" do declínio uma vez. Com a ajuda do então presidente-executivo, Russel T. Lewis, empregou uma solução radical à ameaça de queda da circulação que ameaçou o "Times" e outros diários durante anos. Sulzberger mudou o jornal, gastando muito dinheiro para criar novas seções e uma profusão de ilustrações coloridas. Ao mesmo tempo, tornou o "Times" o primeiro - e ainda único - jornal metropolitano dos Estados Unidos a ampliar sua distribuição além da cidade natal, para abarcar o país inteiro. Hoje, quase 50% de todos os assinantes que recebem o jornal nos dias úteis vivem em algum lugar que não na "Gotham City". Em meados dos anos 90, a NYT Co. tornou-se uma das primeiras companhias da Velha Mídia e mergulhar no espaço cibernético. Os jornalistas do "Times" também começaram a experimentar a adaptação de suas reportagens para outras mídias, como a televisão. Hoje, o site NYTimes.com encontra-se consistentemente entre os dez sites de notícias mais populares da internet, e a New York Times Television é uma das maiores produtoras independentes de documentários dos EUA. "Antes do fim de nossas vidas, veremos a distribuição de notícias e informações mudar para a banda larga", diz Sulzberger. "Precisamos entrar no mundo da banda larga dominando os três principais conjuntos de habilidades - impressão, internet e vídeo -, porque é isso que vai garantir o futuro desta organização nos anos futuros". Sulzberger reconhece que ele e sua companhia estão envolvidos em uma batalha no momento. "São tempos difíceis, e já vêm sendo difíceis há algum tempo." Mas ele e a presidente-executiva, Janet L. Robinson (Lewis aposentou-se no fim de 2004), estão mantendo o plano de longo prazo estabelecido há quase uma década: reforçar o conteúdo do "Times" e ampliar seu alcance para territórios virgens a oeste do rio Hudson, ao mesmo tempo em que a capacidade multimídia é melhorada. Em 2002, a NYT Co. acrescentou uma dimensão global à sua estratégia de crescimento ao adquirir o controle integral do "International Herald Tribune", que agora está sendo melhorado e ampliado. Em essência, Sulzberger está fazendo o que seus ancestrais sempre fizeram: investir dinheiro no "Times", na crença de que o jornalismo de qualidade sempre apresenta um retorno no longo prazo. Mas será que vai funcionar desta vez? A persistência da família no compromisso com o jornalismo de alto custo colocou os Sulzberger em uma posição cada vez mais contrária. Muitos dos diários de grandes cidades sobreviventes no país já foram controlados por dinastias familiares com pensamento parecido, mas que há muito passaram o controle para grandes corporações, que prezam os lucros mais do que qualquer coisa. A proliferação dos sites na internet e as redes de TV a cabo produziram uma abundância de comentários e análises, mas o tipo de reportagens completas e originais nas quais o "Times" especializou-se, são cada vez mais raras.

Há quem sustente que o jornal encolheu permanentemente, junto com a chamada "grande imprensa"

Como conseqüência, os Sulzberger vêm subsidiando o "Times", na avaliação do bom jornalismo e do prestígio que ele confere, acima dos lucros e riqueza que ele cria. Na verdade, em grande parte de sua história, o "The New York Times" raramente conseguiu equilibrar os resultados. Remodelar o jornal em uma corporação capaz de perseguir os lucros com a mesma determinação que os editores do "Times" perseguem os prêmios Pulitzer foi o feito marcante do pai de Arthur Jr., Arthur O. Sulzberger Sr. Mesmo assim, a NYT Co. falha consistentemente em registrar as margens de lucro de 25% das grandes editoras jornalísticas, como a Gannett Co. e a Knight-Ridder, principalmente por causa dos grandes gastos editoriais do "Times", cujos montantes o jornal não revela, mas que se acredita que estejam na casa dos US$ 300 milhões ao ano. Na verdade, Arthur Jr. aumentou a dependência financeira de sua companhia do "Times" vendendo revistas e outras propriedades periféricas adquiridas por seu pai. Em resumo, a NYT Co. é a mais pura tradição do jornalismo de qualidade. Em 2004, a companhia falhou claramente em injetar qualidade no crescimento que vai precisar para continuar dando suporte ao "Times". O consenso de Wall Street é que a companhia deve apresentar um lucro líquido de US$ 290 milhões para o exercício de 2004, uma queda de 4% em relação ao ano anterior e 35% abaixo dos US$ 445 milhões que lucrou durante o boom do setor de mídia, em 2001. Não foi há muito tempo - mais precisamente, em 8 de abril de 2002 - que tudo parecia bem no mundo rarefeito de Arthur Sulzberger Jr. Naquele dia, a maioria dos 1,2 mil repórteres e editores do "Times" reuniram-se na redação, localizada perto da Times Square, para comemorar a maior bolada de prêmios Pulitzer conseguidos pelo jornal de uma só vez. Nenhum jornal havia ganho mais de quatro Pulitzers em um único ano antes. O "Times" ganhou sete em 2002 - seis dos quais pela sua cobertura dos atentados terroristas de 11 de setembro e suas conseqüências. Sulzberger estava empolgado, não percebendo que havia cometido o maior erro de sua carreira: nomear Howell Raines para o cargo de editor-executivo. Raines, que havia entrado para o jornal em 1978 como correspondente nacional, havia impressionado bastante Sulzberger por acabar com o tédio que imperava na página editorial quando foi seu editor, durante os anos Clinton. Raines trabalhou duro para uma promoção em 2001. Apenas 18 meses após assumir o cargo, o "Times" publicou um artigo de uma autocrítica devastadora narrando detalhadamente como Jayson Blair havia plagiado ou inventado pelo menos 36 reportagens. Sulzberger, que vem sendo acusado de não ter pulso firme, passará muito tempo convivendo com sua irreverente reação inicial às transgressões de Blair: "Que saco!". E pior, Sulzberger não sabia como Raines era visto na redação, onde o ressentimento por conta de sua arbitrariedade e mania de grandeza havia atingido o ponto de combustão. Três semanas depois de Sulzberger ter dado seu apoio inequívoco a Raines, ele o demitiu, junto com o editor-administrativo, Gerald Boyd. O fiasco Blair-Raines deixou Sulzberger arrasado. Mas depois de um longo período de introspecção, ele parece ter reconquistado sua confiança, ainda que não seu ar de superioridade. "Não há dúvida que ele mudou com a experiência", diz Steven L. Rattner, um destacado investidor em empresas fechadas e um dos confidentes mais próximos de Sulzberger desde que eles trabalharam juntos como jovens repórteres do "Times" no fim dos anos 70. Sulzberger reconheceu seu erro, substituindo Raines por Keller, um ex-editor-administrativo que havia preterido na promoção de Raines. Nomeado em julho de 2003, Keller, de 54 anos, está no cargo pelo mesmo período que Raines ficou, mas já fez uma série de mudanças fundamentais. Keller, cujas maneiras afáveis freqüentemente são interpretadas de maneira errada como passividade, fez tantas mudanças nos altos escalões que dois terços de todos os trabalhadores da redação agora se reportam a um novo chefe. Ele também colocou em prática uma série de reformas sugeridas por vários comitês internos formados na esteira do caso Blair. Essas reformas incluem a nomeação de um ombudsman, deixando o "Times" muito mais receptivo a queixas e críticas do que antes. Com uma despesa considerável, o jornal também remodelou meia dezena de suas seções e melhorou sua cobertura sobre cultura no mundo, com a criação de 20 empregos nas áreas de redação e edição. "No último ano houve mais mudanças em um determinado período do que eu jamais vi neste jornal", diz Sulzberger, que também credita Keller por "estabilizar nossa cultura e baixar a temperatura por aqui". O "Times" parece estar refazendo o passo em termos jornalísticos, mas isso ainda não se refletiu em ganhos de circulação. Em 2004, o jornal conseguiu aumentar sua circulação em apenas 0,2%, tanto na edição diária, cuja tiragem está hoje em cerca de 1,1 milhão de exemplares, como na edição de domingo, em pouco menos de 1,7 milhão de exemplares. Aumentar o número de assinantes está ficando cada vez mais difícil para todos os jornais, na medida em que os avanços nas comunicações digitais estimulam a proliferação de fontes alternativas de notícias e informações. Para as pessoas com menos de 30 anos, em especial, o acesso e a interatividade da comunicação digital tendem a sobrepujar a familiaridade de nomes estabelecidos há muito tempo, como o "The New York Times" ou as redes de televisão CBS e CNN. A crescente polarização política e ideológica também está prejudicando o "Times" e outros grandes jornais. Uma das poucas coisas em que os partidários de Bush e Kerry concordaram durante a campanha presidencial do ano passado foi que a imprensa foi injusta na cobertura de seu candidato.

Um crescente segmento da população parece querer coberturas que afirmem suas crenças partidárias

O que um crescente, ou pelo menos cada vez mais estridente, segmento da população parece querer não é um jornalismo isento de pontos de vista pessoais dos jornalistas e, sim, coberturas que afirmam suas crenças partidárias. De sua parte, a família Bush não gosta do "Times" que, em sua visão, representa o establishment liberal da Costa Leste. No discurso que fez na convenção Republicana, ao aceitar concorrer à reeleição, George W. Bush zombou do "Times" pelo que ele considerou uma cobertura excessivamente pessimista da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. "Talvez a mesma pessoa ainda esteja por aí, escrevendo editoriais", gracejou ele. O "Times" também está sob ataque de outro braço do governo federal - o Judiciário. O jornal está no centro de uma meia dúzia de casos pendentes nos tribunais, que coletivamente representam uma terrível ameaça à tradicional prática jornalística de se garantir a confidencialidade das fontes. Pela primeira vez desde que se tornou publisher, 12 anos atrás, Sulzberger terá de vencer as dificuldades sem Russ Lewis do seu lado. Lewis, um eloqüente advogado que começou no "Times" como copidesque em 1966, saiu em 26 de dezembro, depois de sete anos como presidente e principal executivo da NYT Co. O problema mais urgente que a presidente-executiva, Janet Robinson, de 54 anos, terá de enfrentar é a escassez de anúncios. Até novembro, a receita publicitária do "Times" havia crescido apenas 2,3% em relação ao ano anterior - um desempenho surpreendentemente fraco, considerando-se que o setor jornalístico americano, como um todo, registrou um ganho de 9,7% na receita publicitária nos primeiros nove meses de 2004, segundo a TNS Media Intelligence/CMR. Os gastos com anúncios nos jornais locais cresceram 6,6%. Um fortalecimento da economia dos EUA ajudaria o "Times" em 2005, mas não o colocaria necessariamente de volta à paridade competitiva. O grande aumento nos preços dos anúncios na última década está forçando mais companhias americanas a economizarem, seja mudando para segmentos da imprensa onde os custos são menores, seja direcionando seus anúncios com mais precisão nos mercados-alvos. O "Times" tem um número menor de leitores fora de Nova York do que os dois maiores jornais nacionais americanos - o "USA Today" e o "The Wall Street Journal", cujas tiragens superam os 2 milhões de exemplares. "Esses dois jornais tendem a ser uma compra mais interessante que o 'Times', do ponto de vista do custo, porque a circulação dos dois no país é muito maior", diz Jeff Piper, vice-presidente da Carat Press. Robinson afirma que não há nada de errado com a posição de mercado do "Times" que o crescimento da economia nacional e da região de Nova York não possa resolver. Reforçando sua confiança, o jornal acaba de impor seu reajuste anual nos preços dos anúncios, acrescentando 5% ao aumento cumulativo de 38% desde 2000. A reinvenção do "Times" como um jornal nacional vem sendo acompanhada de uma perda consistente de leitores na área metropolitana de Nova York. A redução de sua presença em casa tem sido em parte provocada por forças que estão além de seu controle, incluindo aí um grande influxo de imigrantes que não falam inglês. Além disso, o jornal recusou-se a aderir à tendência de introduzir edições em outros idiomas ou edições gratuitas voltadas para leitores adultos jovens. Sulzberger fica arrepiado com a idéia de que o "Times" está perdendo leitores em casa, ou de que a queda de circulação em Nova York é o resultado inevitável da expansão nacional. "Não estamos nos afastando de Nova York", diz ele. "Mas crescendo em outros lugares." On-line, o "Times" já está fazendo uma quantia considerável de dinheiro. O New York Times Digital (que inclui o Bostom.com e o NYTimes.com) registrou um lucro líquido invejável de US$ 17,3 milhões, sobre receita de US$ 53,1 milhões no primeiro semestre de 2004, o último período com dados financeiros disponíveis. Tudo indica que a unidade digital continua crescendo entre 30% e 40% ao ano, o que a torna a unidade da NYT Co. em que os lucros mais crescem. Os anúncios respondem por quase todas as receitas da operação digital, mas há discordâncias dentro da companhia sobre se o NYTimes.com deveria ou não fazer como o "The Wall Street Journal" e começar a cobrar assinaturas. Indubitavelmente, muitos dos 18 milhões de visitantes mensais do site irão embora se tiverem de arcar com uma mensalidade de US$ 39,95, ou até de US$ 9,95. Um grupo dentro da NYT Co. argumenta que tal perda de tráfego na internet custaria caro ao "Times" no longo prazo, encolhendo a audiência do seu jornalismo e privando-o de muitos milhões de dólares em publicidade. O argumento contrário é que o "Times" iria mais do que compensar a perda de dólares com anúncios com o aumento da receita de circulação - tanto das mensalidades on-line, como das novas assinaturas da edição impressa por pessoas que hoje lêem o jornal de graça na internet. Sulzberger diz não querer tomar uma posição nesse debate, mas parece que inclina-se para o site pago. "O negócio envolve o problema de o quanto estamos confortáveis treinando uma geração de leitores a receberem informações de qualidade de graça", diz ele. "Isso é problemático". O "Times", assim como todas as publicações impressas, está num impasse. A maioria dos leitores hoje lê o jornal pela internet, mas ele ainda obtém 90% de suas receitas com a edição impressa. "O modelo de negócio que parece justificar as despesas para se produzir um jornalismo de qualidade é um modelo que não está crescendo, e o que está crescendo - a internet - não está produzindo receita suficiente para produzir um jornalismo da mesma qualidade", diz John Batttelle, um dos fundadores da revista "Wired". Hoje, Sulzberger enfrenta um desafio ainda maior do que quando assumiu o comando do "Times", na metade da década de 90. Será que ele conseguirá encontrar um caminho para a retomada do crescimento e, ao mesmo tempo, preservar a primazia do jornalismo do "Times"? A resposta vai percorrer um longo caminho até determinar não só o destino do mais importante jornal dos Estados Unidos, mas também se o jornalismo que ele pratica ainda ocupa um lugar central na era digital.