Título: Audiência de Angra 3 mostra cidade dividida
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2007, Brasil, p. A5

A cobrança de reparações por danos sócio-ambientais causados pelas usinas nucleares foi a tônica da primeira audiência pública sobre a usina Angra 3, realizada segunda-feira à noite no Iate Clube Aquidabã, em Angra dos Reis. A audiência faz parte do processo para licenciamento ambiental da obra. E foi realizada mesmo com a greve do Ibama, que já dura mais de um mês, e sem a presença do Ministério Público Federal e do superintendente do órgão no Rio, Rogério Rocco. A audiência foi presidida pela física Sandra Miano, responsável pela área nuclear na Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama, em Brasília.

Na platéia, faixas mostravam que o tema divide opiniões. Manifestando o apoio à terceira usina, vários sindicatos de trabalhadores distribuíam panfletos com a frase: "Sim para Angra 3. Tá limpo". Uma faixa mostrada por membros da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê) trazia em letras grandes a seguinte frase: "Quem acha a energia nuclear limpa leve o lixo radioativo para casa".

A Eletronuclear defende a construção da usina, a terceira programada pelo governo militar, lembrando que já foram gastos US$ 750 milhões com a importação e manutenção de 13.500 toneladas de equipamentos importados em 1985, ressaltando também a importância de aumentar o suprimento de energia para o país. A usina vai injetar 1.350 MW no Sudeste, aumentando a segurança energética não só do Rio de Janeiro como de toda a região.

O prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão (PMDB), apóia a obra - que vai exigir investimentos adicionais de R$ 7,2 bilhões sendo 70% no Brasil - mas disse que espera o pagamento de R$ 55 milhões devidos a título de IPTU não pagos desde a instalação da primeira usina, Angra 1, que entrou em operação em 1985.

O pagamento estava sendo questionado pela Eletronuclear pois se trata de uma empresa estatal que exerce atividade que é monopólio da União. Por isso, a questão foi parar na Justiça. As negociações para um acordo estão bastante avançadas e o prefeito espera resolver a pendência em breve.

Jordão enfatizou que seu objetivo é gerar empregos para os moradores, evitando a migração de fora da cidade. Ele lembrou que antes da Eletronuclear e do estaleiro Verolme a cidade contava com 20 mil habitantes. E hoje são 140 mil, segundo ele. A Eletronuclear promete colocar uma cláusula no edital obrigando a contratação de pessoal local. Uma parte pode ser oriunda do Verolme. "Queremos investimento, mas com compromisso e responsabilidade social e ambiental", disse o prefeito.

A lista de medidas "mitigadoras" do impacto de Angra 1 e 2, listadas pela secretária de Meio Ambiente da cidade, Elizabeth Brito Sírio, inclui a destinação de recursos para um fundo de meio ambiente, a contenção da ocupação urbana desordenada e a recuperação de áreas degradadas.

O enfermeiro Ronaldo Nunes perguntou se a Eletronuclear vai aumentar o número de atendimentos no hospital de Praia Brava, mantido pela estatal. A representante do Ibama respondeu explicando que essa é uma questão de ordem pública e não uma exigência dentro do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do relatório de Impacto Ambiental (Rima)

Donato Borges, presidente do Sindicato da Construção Civil de Angra sugeriu a criação de uma central de mão-de-obra e de um centro de qualificação e requalificação profissional. Outros perguntaram sobre a possibilidade de os moradores comprarem energia mais barata, o que a Eletronuclear explicou ser impossível, já que a produção é vendida em blocos para Furnas, que a repassa.

Uma das maiores preocupações dos membros da comunidade foi com a chegada de trabalhadores que vão sobrecarregar a infra-estrutura de saúde, habitação e transportes da cidade. O diretor de Operações e Comercialização da Eletronuclear, Pedro Figueiredo, explicou que isso pode ser evitado com uma cláusula no edital de construção obrigando a contratação de mão-de-obra local e retirando benefícios para os trabalhadores que foram concedidos na construção das outras usinas.

A estimativa da Eletronuclear é que serão criados 9 mil empregos diretos e 15 mil empregos indiretos durante a construção da usina, cujas obras civis ficarão a cargo da Andrade Gutierrez. "Onde vamos colocar mais 30 mil pessoas? É preciso dotar a cidade de uma infra-estrutura que ela não comporta", criticou o ambientalista e funcionário público José Rafael Ribeiro.

"Somos contra a produção de energia nuclear por princípio. Não podemos produzir lixo para gerações futuras. Isso é básico. Mas o problema aqui é que as usinas Angra 1 e 2 provocaram um impacto sócio-ambiental em bairros próximos ao entorno da usina, que estão favelizados. E as escolas não têm vagas", enumerou Ribeiro. Ele criticou também o fato de os estudos de impacto ambiental não preverem medida contra isso.

Nádia Valverde lembrou que até hoje o governo não decidiu sobre o local onde serão guardados os rejeitos de alta atividade radioativa usado como combustível nas duas usinas nucleares já construídas. "O Ibama não pode licenciar mais uma usina se não resolveu ainda o que fazer com o rejeito das outras duas. Estão nos pedindo para aprovar a terceira usina nuclear para informar só depois?", questionou. Outra preocupação foi com respeito ao plano de evacuação em caso de um acidente.