Título: Brasil não perde com barreiras argentinas
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Brasil, p. A3

No triênio 1997/1999, o Brasil detinha 44,9% do mercado argentino de importação dos produtos que já geraram brigas comerciais com o país vizinho. Essa participação chegou a 68% em 2001/2003 e subiu a 79,3% no primeiro trimestre de 2004. Esse crescimento de market share revela que as barreiras comerciais impostas pelo país vizinho não tem prejudicado os exportadores brasileiros. Os dados são de um estudo técnico elaborado pela equipe de economistas da própria Confederação Nacional da Indústria (CNI) e produzido para subsidiar as discussões dos empresários brasileiros à véspera da reunião de cúpula de presidentes do Mercosul, em Ouro Preto (MG), onde o ponto central em discussão era a proposta argentina de imposição de salvaguardas no bloco. O levantamento analisa tanto o impacto das barreiras impostas nos setores nos quais os dois países vivem conflitos comerciais como as exceções à Tarifa Externa Comum (TEC). E a análise mostra que o "market share" alcançado pelos produtos brasileiros para os quais a TEC não é respeitada é muito próximo da participação total do Brasil nas importações argentinas: respectivamente, 23,3% contra 22,4% em 1997/1999, e 29,9% contra 31,9% em 2001/2003. "Embora o contencioso bilateral e as perfurações da TEC possam afetar expectativas de expansão das exportações brasileiras, ainda não mostram impacto comercial significativo em termos agregados ou mesmo setoriais", conclui o documento . "Talvez mais importantes do que os aspectos comerciais, a imprevisibilidade, a falta de respeito às regras e a ausência de mecanismos negociadores (...) parecem estar minando o apoio empresarial ao Mercosul". A CNI preferiu não comentar o documento, obtido pelo Valor, afirmando que ele não foi aprovado pela direção e não reflete a posição da entidade. A CNI informa que ainda está discutindo a questão do Mercosul. O objetivo do trabalho era fornecer dados técnicos para o empresariado buscar uma posição comum sobre o futuro do Mercosul. Alguns setores querem a volta a área de livre comércio e acusam o bloco de atrapalhar o Brasil nas negociações comerciais. Mas há outros que temem serem deslocados do mercado argentino após o fim da TEC. Durante a reunião, os empresários tentaram redigir um documento para ser enviado ao governo, mas não chegaram a um acordo. Cientes de que a indústria brasileira ganhou com o Mercosul, alguns setores até aceitariam a instituição de salvaguardas no bloco desde que acabassem outros mecanismos de proteção como o antidumping. Já outros segmentos são totalmente contra as salvaguardas. O levantamento elaborado pelos economistas da CNI mostra que os conflitos entre Brasil e Argentina estão concentrados nos setores de papel, calçados, produtos siderúrgicos, cerâmicas, eletrodomésticos e têxteis. O estudo não levou em conta o setor automotivo. Apesar de ter uma participação muito expressiva no comércio bilateral, esse setor conta com um regime especial. Os setores analisados representam uma pequena fatia nas importações totais da Argentina: 2,3% em 1997/1999 e 2,4% em 2001/2003. No caso das importações vindas do Brasil, os percentuais dobram, mas ainda assim são pouco expressivos: 4,6% em 1997/1999 e 5,2% em 2001/2003. Mas chama a atenção a evolução do market share dos produtos brasileiros nas importações argentinas. Em máquinas e equipamentos mecânicos, a participação brasileira no total das compras argentinas passou de 12,4% em 1997/1999 para 19,2% em 2001/2003. Em máquinas e equipamentos elétricos, o market share brasileiro subiu de 13,4% para 22,6% no mesmo período. No caso do setor automotivo, a participação brasileira saiu de 57,3% em 1997/1999 para 72,8% em 2001/2003. Com base nessa avaliação, o trabalho concluiu que não há indicações de que o Brasil perdeu competitividade frente a outros fornecedores, apesar das barreiras argentinas. Mas o documento faz duas ressalvas: a análise pode não captar prejuízo a um produto específico dentro de um setor e muitas barreiras foram impostas em 2004, logo seus impactos não foram considerados no trabalho. Uma segunda parte do trabalho avalia o impacto das exceções da TEC. A Argentina é campeã em desrespeitar a TEC, violando as tarifas do bloco para 2.546 itens. Depois vem o Paraguai com 2.196 itens, o Brasil com 1.506 e o Uruguai com 1.414. Ao contrário dos produtos que geram conflito direto entre Brasil e Argentina, as exceções à TEC representam um volume significativo das importações argentinas. No triênio 2001/2003, esses produtos chegaram a 18,3% das importações totais da Argentina. No caso das compras oriundas do Brasil, as exceções à TEC representam 17,8% do total. Entre os setores mais atingidos estão a cadeia química, máquinas e equipamentos mecânicos, máquinas e aparelhos elétricos, automóveis e produtos siderúrgicos. Após essa análise, os autores do estudo sugerem quatro posições para o setor privado brasileiro. A primeira é chamada de "paciência estratégica", que, segundo o trabalho, parecer ser a posição do governo brasileiro. Ela consiste em adotar medidas pontuais de consolidação do bloco, instigar as empresas brasileiras a investir na Argentina e acenar com financiamentos. A segunda sugestão é chamada de "mais Mercosul", expressão repetida pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, como solução para os problemas do bloco. O estudo diz que essa proposta "aparece em frases de efeito e declarações retóricas de autoridades" e acredita que é inviável dada à ausência de propostas concretas. Também aparece como opção a volta do Mercosul a uma área de livre comércio. Para os técnicos, isso libera os países para negociar com outros blocos, mas não tem efeito sobre o conflito entre Brasil e Argentina e a imposição de barreiras unilaterais. A quarta e última opção é "pragmática": reconhecer as dificuldades do Mercosul e propor medidas para lidar com o conflito dentro de regras negociadas. Os empresários brasileiros, contudo, estão divididos e não decidiram que caminho seguir.