Título: Conselho adia votação e contraria Renan
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2007, Política, p. A14

Sob pressão da oposição e com um desgaste político considerado irreversível por aliados, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), se propôs a comparecer ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para se defender das suspeitas que se acumulam contra ele. A disposição de Renan foi transmitida pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), durante tensa reunião do Conselho de Ética.

Depois de mais de três horas de reunião tumultuada, o conselho decidiu adiar a decisão sobre o arquivamento ou não do processo contra Renan até que a Polícia Federal realize perícia conclusiva nos documentos apresentados pelo pemedebista para provar vendas de gado. Não foi marcada data.

Ao final da reunião, foi criada uma comissão de seis senadores para decidir a data do depoimento de Renan e os próximos passos. Definirão plano de trabalho, questões não esclarecidas que precisam ser esclarecidas pela PF e perguntas que Renan deve responder. Eles devem se reunir hoje à tarde.

Integram o grupo Adelmir Santana (DEM-DF), Sérgio Guerra (PSDB-PE), Demóstenes Torres (DEM-GO), Romeu Tuma (DEM-SP), Sibá Machado (PT-AC) e um pemedebista que deve ser trocado. O nome indicado ontem por Sibá era o de Wellington Salgado, que renunciou à relatoria. O líder, Valdir Raupp (PMDB-RO), deve indicar outro. E poderá defender que o partido tenha mais participantes.

Dúvidas sobre a autenticidade de documentos apresentados por Renan em sua defesa e a cobrança da opinião pública levaram a maioria dos integrantes do conselho a pedir adiamento da votação sobre o arquivamento ou não do processo contra o pemedebista, marcada para ontem.

A suspensão da votação foi defendida pelos representantes do PSDB e do DEM - os dois maiores partidos de oposição. Também apoiaram o pedido os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Renato Casagrande (PSB-ES), Augusto Botelho (PT-RO) e até o pemedebista Valter Pereira (MT), que apresentou voto em separado pedindo o "sobrestamento" da decisão do conselho.

Todos apresentaram o mesmo argumento: a falta de elementos convincentes sobre a culpa ou a inocência de Renan. Os senadores argumentaram que teria sido decisivo o fato de a Polícia Federal não ter apresentado perícia conclusiva nos documentos entregues por Renan para provar operações de venda de gado. A PF apontou aparentes irregularidades nos papéis e pediu 30 dias para aprofundar a análise (ver reportagem abaixo).

"Não queremos nem absolvição apressada nem a condenação à Torquemada", disse o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). "Nenhum de nós pode votar com qualquer tipo de dúvida. As respostas ainda não são convincentes", afirmou o líder do DEM, José Agripino (RN). "São inúmeras as inconsistências apontadas pelos peritos, uma delas a de que a ordem cronológicas das notas fiscais não segue as datas das operações às quais elas se referem", acrescentou Eduardo Suplicy (PT-SP). "Se arquivarem hoje será um escândalo nacional", alertou Jefferson Péres (PDT-AM).

O líderes do PSDB e do DEM comunicaram que, se a votação fosse ontem, seus representantes no conselho teriam que votar contra o arquivamento do processo. Essa posição foi levada poucas horas antes a Renan pelo presidente do PSDB, Tasso Jereissati (CE), e o líder, acompanhados dos tucanos que integram o conselho de Ética. A conversa foi tensa. O presidente do Senado queixou-se de que seus argumentos não são ouvidos pelos colegas.

Os tucanos deixaram claro que o endurecimento em relação ao caso Renan era uma decisão partidária. Na véspera, em reunião da Executiva Nacional, os deputados do partido cobraram uma posição mais firme da bancada tucana pela investigação.

Diante do apelo da maioria, até o presidente do conselho, Sibá Machado (PT-AC), concordou com o adiamento, mas encontrou forte oposição de Wellington Salgado (PMDB-MG), relator substituto de Epitácio Cafeteira (PTB-MA), que acabou renunciando à função por discordar da decisão. Afastado por problemas de saúde, Cafeteira apresentou parecer pelo arquivamento da representação do P-SOL. Considerou as acusações inconsistentes e a defesa, satisfatória.

Wellington Salgado reproduzia estratégia de Renan e aliados, de tentar encerrar o processo ontem. A avaliação feita em reunião na casa de Renan, na véspera, era que a situação se agravava a cada dia, depois de uma sucessão de erros da defesa.

À primeira suspeita - de usar recursos da Mendes Júnior ou de um funcionário da empresa, Cláudio Gontijo, em pagamentos pessoais a Mônica Veloso, mãe de sua filha - foram se sucedendo novas acusações, amplamente divulgadas na imprensa, como superfaturamento do preço de bois, apresentação de notas fiscais frias e uso de "laranjas" em compra de propriedades rurais.

"As nuvens sobre a cabeça do senador Renan não são cinzentas, são negras", reconheceu o relator. Pela manhã, Salgado disse que queria votar ontem de qualquer jeito. Constrangido com a missão de relatar o processo, afirmou que o conselho deveria decidir apenas sobre a "primeira denúncia", ou seja, se ele usou recursos de terceiros em despesas pessoais.

"Se o fato é se ele tem renda para pagar a pensão, para mim está resolvido. Se querem contestar as fontes desses recursos, isso é para outra representação", disse. "A veracidade do documento não é problema meu", completou.

A tese do senador José Sarney (PMDB-AP), acolhida por aliados de Renan, era restringir a decisão do conselho à questão da capacidade do presidente do Senado de arcar com os pagamentos feitos à mãe de sua filha. Esse fato caracterizaria quebra de decoro parlamentar, cuja investigação é atribuição do conselho. Acusações de crimes comuns deveriam ser investigadas por outras instâncias e levadas ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual compete julgar parlamentares por crimes comuns.

Renan reafirmou disposição de não renunciar à presidência do Senado, como defendeu publicamente Pedro Simon (PMDB-RS). "Sou homem de luta, forjado na luta. Essa palavra (renúncia) não existe no meu dicionário", afirmou. Ele defendeu a conclusão do seu caso o mais rápido possível, para que o país voltasse à "normalidade".

Na véspera, diante de rumores de que o Palácio do Planalto o abandonaria e já estaria estudando as alternativas à sua sucessão, Renan procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disse a aliados que Lula reafirmou-lhe apoio.