Título: Governo precisa fiscalizar a aplicação dos seus recursos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2007, Opinião, p. A20

Se fosse preciso mais uma comprovação de quão inapropriadamente são tratados no Brasil os recursos públicos, as informações divulgadas esta semana pelo Tribunal de Contas da União (TCU) colocam um ponto final na questão, não deixando margem à dúvidas do descaso governamental em relação ao destino das suas verbas, que são escassas em um país com tantas demandas e carências e, ao mesmo tempo, pesam muito para os contribuintes. Ao votar as contas referentes ao ano passado do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o TCU chegou à conclusão de que houve falta de fiscalização de Brasília nos repasses de R$ 12,5 bilhões a Estados, municípios e entidades privadas apenas em convênios firmados até dezembro de 2005. Isso significa quase a totalidade dos recursos que tiveram essa finalidade. Segundo o ministro Ubiratan Aguiar, relator do processo das contas do governo, esses repasses acabam servindo à corrupção. O envio de dinheiro aos municípios é desviado, por exemplo, na compra superfaturada de ambulâncias, que resultou na criação da CPI das Sanguessugas.

Como evidencia o voto do ministro Aguiar, o governo federal pode usar livremente, sem vinculações ou destinações obrigatórios, um volume relativamente modesto de recursos do Orçamento Geral da União, da ordem de 10%. No orçamento de 2006, as transferências voluntárias executadas alcançaram R$ 15,1 bilhões (ou 3% do orçamento geral ou algo em torno de 10% das despesas primárias). Segundo o relator, a média dos últimos seis anos, em valores de dezembro de 2006 (corrigido pelo IPCA médio), foi de R$ 13 bilhões. Para o TCU, foram apurados "graves problemas em todas as fases que envolvem as transferências voluntárias". Além da inexistência de planejamento na alocação de recursos, o que se apurou foi que também o contingenciamento orçamentário e a execução seletiva dos denominados restos a pagar provocam reflexos negativos no repasse desses recursos. A falta de planejamento para a alocação de recursos faz o orçamento restringir-se a uma disputa de recursos adicionais para custear emendas de parlamentares e do Executivo. Já o contingenciamento dos recursos e a execução seletiva dos restos a pagar provocam a competição pelos recursos programados, o que fragiliza os integrantes do Poder Legislativo em relação às ações do Poder Executivo.

As críticas do TCU abrangem também a fase de alocação final das verbas, pois seriam evidentes a superficialidade e a insuficiência das avaliações técnicas e a ausência de critérios transparentes e de justificativa para a escolha das organizações não-governamentais beneficiadas com recursos públicos. Um dos fatores que contribui para as análises superficiais dos planos de trabalho é a carência de pessoal. Além disso, faltam critérios técnicos objetivos e transparentes pré-definidos, tais como especificações, referenciais de custo, parâmetros fundamentados em indicadores sociais e econômicos aptos a orientar uma seleção de projetos mais eficaz para aplicação dos recursos públicos. Soma-se a isso a sistemática liberação de recursos apenas no final do exercício, devido ao contingenciamento, o que gera um acúmulo de planos de trabalho a serem examinados em pouco espaço de tempo. No que toca à fiscalização da execução dos convênios, verificou-se que ela é praticamente inexistente, quer seja por carência de pessoal em número e qualificação técnica para fazê-la, quer seja pelo fato de o resultado não ser confiável, devido à falta de parâmetros técnicos e financeiros adequados.

Na terça-feira o governo prometeu providências, já que o TCU chegou a sugerir a suspensão imediata destes repasses. O controlador-geral da União, ministro Jorge Hage, disse que o governo está preparando um decreto com medidas para impedir a corrupção através de convênios com a União. Pelo decreto, serão proibidos os convênios em valores inferiores a R$ 100 mil. E serão inscritas no Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro as transferências acima de R$ 5 milhões e as feitas para municípios com mais de R$ 500 mil habitantes. O decreto deverá prever a prestação de contas via internet e proibirá o saque dos repasses na boca do caixa. São cuidados que podem, em princípio, ajudar a combater a corrupção e o mau uso de recursos que são, em última instância, dos contribuintes, embora se lamente o atraso na sua adoção e a quase impossibilidade de recuperar o que já foi desperdiçado.