Título: Furnas vive drama para comprar sistema de gestão empresarial
Autor: Schüffner, Cláudia e Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2007, Empresas, p. B1

Uma disputa entre duas gigantes de softwares de gestão, Oracle e SAP, está impedindo que Furnas Centrais Elétricas, a maior geradora de energia do país, adote um sistema de gestão empresarial. A estatal é a única empresa do grupo Eletrobrás que ainda não usa um sistema integrado de gestão.

A primeira tentativa de adquirir o produto foi feita em 2000, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o conselho não aprovou a compra de um sistema sem licitação.

A segunda tentativa ocorreu em 2001. O novo edital recebeu duas propostas: da SAP, associada à consultoria Deloitte; e da Oracle, com parceria da Accenture. A entrega das propostas para habilitação dos interessados foi feita em setembro de 2001.

Os envelopes com os preços foram abertos em fevereiro de 2002. A Oracle venceu a licitação, mas ações judiciais movidas por concorrentes postergaram a sua declaração como vencedora, o que só aconteceu em 2005.

Em sua proposta feita em 2001, a Oracle cobrava R$ 55 milhões pelo projeto. Dado o tempo transcorrido entre a licitação e a declaração da empresa como vencedora, o presidente de Furnas, José Pedro Rodrigues, explica que tentou negociar uma redução desse valor, já que entendia que os preços deveriam cair. A Oracle apresentou uma nova proposta para Furnas, só que ainda mais elevada: R$ 90 milhões, 63,6% acima do valor que Furnas pretendia reduzir.

Procurada pela reportagem, a Oracle informou, por meio de comunicado, que "o valor apresentado naquela licitação [de R$ 55 milhões], de acordo com o edital, é passível de correção monetária, aplicando-se o IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado - IGP-M)."

Essa regra, segundo a empresa, foi o que implicou na atualização do preço para a casa dos R$ 90 milhões. "Nesse valor não foi adicionado qualquer montante referente à atualização tecnológica do sistema de gestão", informa a Oracle.

O novo orçamento, diz José Pedro Rodrigues, era "inviável", e Furnas decidiu cancelar a licitação, o que ocorreu em julho do ano passado. Mais uma vez, a companhia partiu para a elaboração de um novo edital. O presidente da empresa conta que formou uma comissão de sete técnicos, "com mais de 20 anos de casa", para fazer o novo edital, que orçou o projeto em R$ 44 milhões. Em outubro passado, a estatal divulgou a licitação, estabelecendo o valor de R$ 44 milhões como teto.

Foi realizada uma nova chamada pública e compareceram Datasul, Microsiga, Oracle, RM Sistemas, SAP e Sankhya. Mas dessa vez, três empresas se posicionaram contra o sistema de pontuação usado por Furnas. Em meio ao imbróglio, só uma empresa apresentou proposta para a licitação aberta em 2006: a SAP.

Seria o fim da novela tecnológica, não fosse o fato de, apenas no final de 2006, a Oracle decidir impetrar um mandado de segurança contra a revogação da licitação anterior. No comunicado enviado ao Valor, a empresa alega que demorou para tomar a decisão porque só em outubro é que foi publicado o novo edital. "Somente com o conhecimento dos termos desse segundo edital, a Oracle pôde constatar a realização de licitação para a contratação de objeto que já fora considerada vencedora."

A interpelação culminou na concessão de uma medida cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU), que suspendeu a licitação e impediu Furnas de abrir o envelope da SAP. A Oracle alega que não participou da segunda licitação por já ter sido considerada vencedora. "Tanto na esfera judicial, quanto na administrativa, o processo licitatório foi considerado pautado pelos princípios legais."

No dia 24 de janeiro, o ministro e relator do processo, Guilherme Palmeira, chegou a aprovar um parecer do TCU do Rio e votou pela continuidade da licitação. O ministro Augusto Nardes pediu vistas do processo. Em abril, o ministro Raimundo Carreiro foi designado novo relator do caso e, na votação da plenária, em 13 de junho, o TCU decidiu, por cinco votos a quatro, que Furnas deverá mudar o edital.

Em entrevista ao Valor, o presidente da SAP Brasil, José Ruy Antunes, lamentou a situação e se disse frustrado com o caso. "Fico definitivamente chateado com isso, tanto por nós como pelo próprio cliente. Existe um custo para participarmos desses processos."

A SAP tem no setor de energia alguns de seus maiores clientes, entre estes empresas como Cemig, Light, Itaipu, Eletronorte, parte da Eletrobrás, Coelba, entre outras. "Fazemos estudos das necessidades desse setor, treinamos pessoal. Estamos tristes e ansiosos com essa situação", comentou Antunes.

Depois da mixórdia, o resultado é que até agora Furnas não tem seu sistema de gestão integrado. José Pedro Rodrigues diz que tem pressa e que pretende cancelar o último edital para fazer um novo processo. "O nome da empresa (que ganhar) não me interessa. Quero saber como faço para colocar um sistema de gestão dentro de Furnas com a melhor proposta técnica e o menor preço", diz.

Adotar um pacote de software de gestão - o chamado ERP, na sigla em inglês - não é algo obrigatório às empresas, sejam públicas ou privadas. Há casos de companhias - de todos os portes - em que, em vez de comprar um produto pronto, opta-se por desenvolvê-lo internamente. Fatores como redução de custo e especificidade tecnológica estão entre as principais motivações daqueles que usam a própria equipe de informática para dar conta do recado. Às vezes funciona. Muitas vezes, não.

Como a tecnologia, os processos das empresas mudam rápido, e muitas vezes as companhias são obrigadas a fazer "remendos" em seus sistemas. Na maioria das vezes o resultado é uma colcha de retalhos, com sistemas lentos, difíceis de gerenciar e complexos para serem integrados a demais empresas. É mais ou menos o que tem vivido Furnas Centrais Elétricas, que pertence ao sistema Eletrobrás. Criada na década de 50, hoje a estatal controla um complexo de onze usinas hidrelétricas e duas termelétricas, estrutura que atende nove Estados do país e é responsável pelo fornecimento de energia a 51% dos domicílios brasileiros.