Título: Titulares da ANA e Aneel assumem órgãos esvaziados
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Brasil, p. A4

Duas agências reguladoras estréiam hoje os seus novos comandos em um momento de fragilidade e de indefinições. O engenheiro Jerson Kelman toma posse como diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o economista José Machado assume a presidência da Agência Nacional de Águas (ANA) em meio a uma combinação de fatores que têm causado desconfiança entre os investidores e o esvaziamento dos órgãos reguladores: cortes orçamentários recordes, indicações políticas para cargos essencialmente técnicos e ameaças de perda de poder com a tramitação no Congresso de um projeto de lei que muda as regras de funcionamento das agências. Para a Aneel, o governo conseguiu aprovar na última semana de dezembro um orçamento de R$ 179 milhões em 2005. Poucos acreditam, no entanto, que a agência preservará esse montante de recursos após o contingenciamento que está sendo definido pelo Ministério do Planejamento. Em 2003 e 2004, os dois primeiros anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os cortes orçamentários para a Aneel foram de 50% e 56%, respectivamente. Isso é mais do que o dobro do maior contingenciamento realizado no governo anterior - de 24%, em 2002. Até 2001, os cortes de recursos eram mínimos ou nem existiam. As dificuldades financeiras levaram a agência a enxugar seus serviços de ouvidoria e 31 distribuidoras deixaram de ser fiscalizadas Se quiser preservar intacta as atribuições da Aneel, Kelman terá que driblar a tentativa das distribuidoras de incluir o Ministério de Minas e Energia nas discussões sobre a base de remuneração do processo de revisão tarifária. As empresas reclamam da metodologia usada pela Aneel, que levaria a distorções nos reajustes das contas de luz feitos todos os anos. A indicação de Kelman, um PhD em hidrologia e recursos hídricos que ganhou influência durante o racionamento de quatro anos atrás e até agora presidia a ANA, é uma das poucas que obedeceu a critérios técnicos. Para sucedê-lo na agência das águas, o governo colocou o petista José Machado, que há duas semanas encerrou o último dos seus dois mandatos como prefeito de Piracicaba. Dos cinco membros da diretoria colegiada da ANA, dois tiveram mandato vencido no fim do ano passado. Uma das vagas está sendo vista pelo Palácio do Planalto como espaço para agradar a aliados políticos. Foi dessa forma que o governo atuou com a nomeação de José Airton Cirilo, candidato derrotado do PT ao governo do Ceará em 2002, que tomou posse nesta semana como diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Na Anatel, o interino Elifas Gurgel é hoje favorito para ser efetivado como presidente. Embora seja engenheiro da computação e tenha exercido cargos técnicos no passado recente, ele é um dos principais interlocutores do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB), homem forte da base de sustentação do governo e que tem trabalhado nos bastidores para efetivá-lo. Outros dois conselheiros da agência correm por fora, com menos chances: Plínio de Aguiar Júnior (apadrinhado do candidato derrotado do PT à prefeitura do Rio, Jorge Bittar) e José Leite Pereira Filho (que tem a simpatia da Casa Civil). Enquanto encaixa aliados em vários órgãos reguladores, o governo prepara uma articulação no Congresso para aprovar a lei geral das agências. Uma série de novos mecanismos devem limitar a autonomia delas e transferir poder aos ministérios encarregados de infra-estrutura. Os ministérios podem recuperar a capacidade de outorgar concessões, permissões ou autorizações para a prestação de serviços públicos. Segundo o desenho atual do projeto, as agências ficariam obrigadas a assinar contratos de gestão com o Executivo, com indicadores de cumprimento de metas operacionais, de fiscalização e de desempenho administrativo. O setor privado vê o andamento do projeto com preocupação. "Do ponto de vista do investidor, não há problema nenhum com o funcionamento das agências, mas o prenúncio de mudanças cria uma apreensão", afirma Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib). O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, alerta em carta distribuída na semana passada aos associados que investimentos de longo prazo "requerem regras claras e estáveis, e confiança nas instituições reguladoras". "Dispositivos que ameaçam a independência das agências e conferem incertezas sobre sistemas de decisão têm contrapartidas: a retração do investidor", diz Monteiro, na apresentação de um estudo elaborado pela CNI sobre o assunto.