Título: Os riscos ambientais e o setor financeiro
Autor: Grizzi, Ana Luci L. E.
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A difusão do conceito de desenvolvimento sustentável, fundado no tripé sócio-econômico-ambiental, alargou o o cenário de aplicação das normas ambientais. Se antes o foco eram as atividades, que, por sua própria natureza, poderiam ser classificadas como potencialmente poluidoras, tais como as atividades industriais, hoje em dia abrange também setores cujas atividades não tem natureza poluidora.

É exatamente aqui que setor financeiro e meio ambiente se interligam. Apesar de as instituições financeiras não desenvolverem atividades potencialmente poluidoras, elas podem fomentar tais atividades e/ou se beneficiar economicamente de sua implementação. Um exemplo prático da inserção de questões ambientais no setor financeiro são os Princípios do Equador: em outubro de 2002, em Londres, a International Finance Corporation (IFC) reuniu-se com alguns bancos e publicou um pacote de medidas sócio-ambientais que deveriam ser incorporadas à avaliação e concessão de crédito para projetos de infra-estrutura de valor superior a, atualmente, US$ 10 milhões.

Some-se aos Princípios do Equador a recente publicação da IFC sobre sustentabilidade bancária, além de diversas publicações da Organização das Nações Unidas (ONU) direcionadas ao setor financeiro -preparadas pela UNEP Finance Initiative - entre as quais destacam-se os "Princípios para o Investimento Responsável" e a "Adaptação e Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas - O Papel do Setor Financeiro".

É neste contexto que os potenciais impactos ambientais negativos ao setor financeiro podem ser analisados pela ótica jurídica. As normas ambientais brasileiras dispõem que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e solidária, isto é, todas as partes direta ou indiretamente envolvidas na ação ou omissão que tenha causado danos ambientais, independentemente da existência de culpa, são obrigadas a reparar integralmente o dano. Em razão da abrangência destas disposições, é possível identificar diversos agentes que podem eventualmente ser responsabilizados quando da ocorrência de dano ambiental.

Com base neste conceito genérico de "poluidor indireto" somado a outros dispositivos legais ambientais - entre eles o artigo 12 da Lei nº 6.938, de 1981 -, seria possível responsabilizar instituições financeiras por danos ambientais causados pelas atividades por ela financiadas. Frise-se que esta tese é controversa no meio jurídico, sendo passível de questionamento. Além disso, a doutrina sobre o tema é reduzida e os tribunais ainda não fixaram um posicionamento uniforme, existindo julgados divergentes em processos em tramitação.

Em que pese esta indefinição jurídica sobre a possibilidade ou não de responsabilizar financiadores por danos ambientais causados pelos financiados, atualmente é inquestionável que riscos ambientais implicam riscos financeiros - ou alguém contestaria o fato de um eventual passivo ambiental oriundo da contaminação de solo/água subterrânea ser capaz de prejudicar substancialmente ou mesmo interromper determinada atividade, levando o empreendedor a inadimplir seus compromissos?

-------------------------------------------------------------------------------- A incorporação da variável ambiental pode ser implementada via inclusão de cláusulas ambientais no contrato --------------------------------------------------------------------------------

Assim, independentemente da possibilidade de eventualmente ser responsabilizado por danos ambientais causados por um empreendimento financiado, o setor financeiro pode visar à conformidade ambiental de suas atividades por meio da adoção de políticas ambientais próprias e incorporação de critérios ambientais em linhas de financiamento.

Nesse contexto, a título exemplificativo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicos e Social (BNDES) implantou uma política ambiental visando incorporar a variável ambiental às linhas oficiais de crédito disponibilizadas inclusive por bancos privados: a liberação de financiamentos deve estar condicionada à apresentação das licenças ambientais aplicáveis e à comprovação de conformidade com as normas ambientais vigentes pelo empreendedor.

Na prática, a incorporação da variável ambiental às linhas de crédito pode ser implementada via inclusão de cláusulas ambientais específicas no próprio contrato de financiamento. Cláusulas que vinculem a liberação de parcelas do financiamento a etapas de regularização ambiental da atividade potencialmente poluidora a ser financiada e cláusulas de garantia para cobertura de danos ambientais súbitos e graduais são algumas sugestões. Para a cláusula de garantia em apreço, a instituição financeira deve assegurar que eventuais garantias reais ofertadas pelo empreendedor somente sejam aceitas caso fique comprovada a inexistência de passivos ambientais, principalmente no que tange a passivos oriundos de contaminação de solo e água subterrânea.

Em decorrência da atuação pró-ativa na adoção de políticas ambientais e da incorporação de critérios ambientais aos financiamentos, o setor financeiro certamente fará jus a alguns benefícios, tais como: (1) menor risco de inadimplência do tomador; (2) valorização de sua imagem perante o consumidor e a sociedade de forma geral; (3) aumento da competitividade em seu segmento de mercado; (4) valorização de seu negócio mediante incremento do valor de suas ações; e (5) maior probabilidade de captar recursos no mercado internacional.

Em suma, a incorporação de aspectos ambientais pelo setor financeiro é uma diretriz que agrega valor, é fator de administração e minimização de risco, é elemento de melhoria do desempenho e é instrumento de valorização dos ativos intangíveis corporativos. A conformidade ambiental do setor financeiro atenderá à consecução de seu objetivo social - o lucro -, à transparência exigida por seus "stakeholders", aos anseios sociais e à necessária preservação do meio ambiente, provedor de recursos indispensáveis à economia de mercado.

Ana Luci L. E. Grizzi é advogada da área de direito ambiental do escritório Veirano Advogados

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