Título: Falta transparência nas negociações, criticam as ONGs
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2007, Brasil, p. A6

O governo brasileiro ganhou um novo adversário na já difícil negociação para um acordo na rodada de liberalização comercial na Organização Mundial do Comércio (OMC): as organizações não-governamentais do Brasil. Como os empresários, as ONGs reclamam da "falta de transparência" nas negociações e temem "precipitação" por parte do Itamaraty, para alcançar um acordo que salve a chamada Rodada Doha da OMC, segundo documento enviado ao Ministério das Relações Exteriores por representantes da sociedade civil.

"Até alguns meses acompanhávamos de perto as posições do governo brasileiro, mas agora não estão mais circulando as informações", queixou-se o coordenador de programas de segurança alimentar da ONG Action Aid Brasil, Celso Marcatto. "Talvez pela necessidade de fechar um acordo mínimo estejam com medo de o vazamento de detalhes possa dificultar as negociações", especula.

A Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), principal rede de ONGs brasileira, enviou uma carta ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com uma crítica severa aos rumos das negociações. Na carta, as ONGs falam em "indignação" e dizem ter "extrema preocupação com a falta de transparência, o conteúdo e a precipitação" nos esforços para concluir a Rodada Doha.

Criticam ainda o " caráter sigiloso e restrito" das discussões coordenadas pelo chamado G-4 (Brasil, Estados Unidos, Índia e União Européia) e lembram que essa crítica também é levantada por organizações internacionais e por países membros da OMC, "revelando ampla insatisfação a respeito do processo de negociações restrito".

Para a Rebrip, a participação do Brasil nas discussões do G-4, reunido nesta semana na cidade alemã de Potsdam, põe "em risco sua própria legitimidade como ator na política internacional". As ONGs, segundo comenta o coordenador da Action Aid, acreditam que os negociadores brasileiros têm dado ênfase excessiva aos interesses ofensivos do agronegócio e deixado em segundo plano as necessidades defensivas de produtores da chamada agricultura familiar, no Brasil e em países pobres. "Alguns produtores na África já vêm sofrendo competição danosa de exportações do agronegócio brasileiro", aponta Marcatto.

"Não é aceitável que o Brasil negocie como parâmetros para a conclusão da Rodada propostas que significam um enorme potencial de perdas para a agricultura familiar e camponesa, para o emprego e a renda de vários setores da indústria brasileira, e especialmente para os trabalhadores desses setores", diz a carta da Rebrip a Amorim. "Não podemos aceitar que, para defender os interesses de uma agricultura voltada para o setor externo (...), o atual governo comprometa o nosso futuro e as perspectivas de que algum dia o país possa crescer beneficiando o mercado interno", diz o documento.

O governo brasileiro não tem defendido, na mesa de negociações do G-4, questões como a defesa dos pequenos produtores, acusa o coordenador da Action Aid. Marcatto acredita que a insatisfação com o processo negociador conduzido pelo G-4 revela o temor de que um eventual acordo entre os quatro principais negociadores crie um mecanismo de pressão para obrigar os países menores a aceitar decisões contra seus interesses.