Título: Os limites do poder, 25 anos depois
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Política, p. A5

Dificilmente Luiz Inácio Lula da Silva iria imaginar no começo de 1980 que 25 anos depois de engendrar o PT estaria se esforçando para arranjar um lugar no ministério para Roseana Sarney. Na época, a senadora ainda pefelista era uma socióloga recém-formada pela UnB, mas, antes de tudo, a filha de José Sarney, o presidente do partido que apoiava o regime militar, que no mesmo ano interveio no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, colocou Lula dentro de um camburão e o levou para uma sessão de fotografias de frente e de perfil. Mais surpreendente é pensar que a reforma ainda abrirá espaço para o PP, o sucedâneo da sigla que Sarney presidiu, e que uma de suas vítimas poderá ser o ministro das Cidades, Olívio Dutra, que no dia 10 de fevereiro daquele ano estava sentado à mesa com Lula no Colégio Sion em São Paulo, para criar o partido. E o atual presidente nunca acreditaria se lhe dissessem que esta mudança no primeiro escalão do governo é para enfrentar uma oposição conduzida por Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Oito meses antes da criação do partido, em uma reunião de três dias no Pampa's Hotel, em São Bernardo, os futuros petistas e tucanos tiveram infindáveis discussões típicas das reuniões de esquerda para discutirem um destino comum. FHC queria fundar com Lula um partido socialista e popular. Os companheiros do atual presidente queriam os tucanos ao lado no PT. Caso Lula dê este novo rosto a seu ministério, será mais um passo para consolidar uma cunha, positiva do ponto de vista republicano, entre um governo aliancista e o partido que venceu as eleições de 2002. Enquanto Lula vai se preparando para pagar preços altos pela sua possível reeleição, o PT tentará mostrar em março, com um evento em Belo Horizonte e um seminário em São Paulo, que em essência é o mesmo em duas décadas e meia. Pelo menos, é dirigido há 25 anos pelas mesmas pessoas. É difícil encontrar na direção do partido alguém que tenha conhecido outra legenda na vida. O adesismo raramente é convidado para o lado de dentro: na Câmara dos Deputados dificilmente haverá outro exemplo de partido que ganhou a presidência terminando a primeira metade do mandato com menos parlamentares do que tinha no início. "O PT está sendo posto à prova agora. Há uma distinção entre o governo e o partido e nem sempre a opinião do PT traduz a opinião do governo", afirmou o presidente da Fundação Perseu Abramo, o órgão de estudos do PT, Hamilton Pereira, um dos organizadores das comemorações. O símbolo da separação entre PT e governo Lula não é a política econômica do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ainda que uma corrente minoritária expressiva do partido deseje virá-la para baixo. As divisões se mostram nas questões que envolvem a terra. É duro para o partido constatar que no governo Lula o Brasil se tornou o país que registra o maior percentual de crescimento de área plantada com transgênicos no mundo, conforme mostrou o Valor anteontem, em matéria de Cibelle Bouças. "O PT nunca se identificou e não se identificará com o grande capital agroindustrial, que está presente no governo federal", afirma Pereira. Passados dois anos de governo Lula, nada indica, ao menos por enquanto, que o governo de alianças tenha enfraquecido o PT como maior partido democrático de esquerda na América Latina. Não se observa o MST ou a CUT buscando o PSTU. Prelados comprometidos com causas sociais, ambientalistas frustrados com as concessões, intelectuais marxistas malham o governo Lula, mas não apontam alternativa partidária. O sol do partido que a senadora Heloísa Helena tenta criar não brilha, pelo menos ainda, para estes militantes.

Governo e PT tendem a se diferenciar cada vez mais

"O dado fundamental é que o PT não rompeu os vínculos com os movimentos sociais que o geraram", comentou Pereira. Houve um tempo, recorda o presidente da Perseu Abramo, que estes movimentos cresciam em ritmo maior que a expressão eleitoral da sigla. Nos anos 90, a equação se inverteu e o PT tornou-se maior que os movimentos que lhe deram origem. A conclusão óbvia é que as forças que criaram o partido, caso rompessem agora, jamais conseguiriam fazer outro partido com porte sequer semelhante. Um problema a mais Está na página do PSDB na internet uma evidência de que a medida provisória que aumenta a tributação no setor de serviços, preocupa, e muito, o novo prefeito de São Paulo, José Serra. Em um artigo, o principal economista do partido, José Roberto Afonso, alertou que a margem de manobra de Serra para inovar na área tributária diminuiu ante o lance de criatividade da Receita Federal. Há pouco espaço para a arrecadação crescer no setor. "O avanço do governo federal sobre uma base de incidência que era de competência quase exclusiva da esfera municipal deve ser vista com bastante atenção pelos novos prefeitos, porque sobrecarrega a tributação sobre os serviços e dificulta a exploração do potencial tributário do ISS", afirmou o economista. Só no governo Lula, a base de cálculo para o lucro presumido da CSLL e do IRPJ passou de 12% para 32%, em seguida para 40%. A alíquota da Cofins foi calibrada para cima e as contribuições passaram a ser retidas na fonte pelo cliente do prestador de serviços. Proporcionalmente, a arrecadação própria dos municípios diminui. Nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique, as contribuições tornaram-se as estrelas guia do esforço arrecadatório. Até 1988, o ISS representava no país um terço da soma da arrecadação das contribuições, representa um décimo.