Título: Orçamento precisa mudar para evitar novas denúncias de corrupção
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Política, p. A5

O presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Paulo Bernardo (PT-PR), considera imprescindível o Congresso iniciar, a partir deste ano, um debate sobre as regras de discussão, votação e execução da proposta orçamentária da União. Em entrevista ao Valor, o parlamentar alega que, mais de uma década depois de o Legislativo federal ter enfrentado uma das mais graves denúncias de corrupção de sua história política, que culminou na CPI Orçamento (em 1993), está na hora de rever e alterar as regras, pois práticas preocupantes foram identificadas e precisam ser coibidas. Os problemas constatados foram levados ao governo. O futuro presidente do Senado - que, por extensão, preside o Congresso -, Renan Calheiros (PMDB-AL), comprometeu-se a criar uma comissão de 10 deputados e 5 senadores para estudar mudanças na resolução de funcionamento da Comissão Mista, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na legislação complementar referente ao tema e até na Constituição. Haverá um prazo para essa comissão entregar as propostas de mudança. "O processo de discussão do Orçamento passou por uma deterioração nos últimos anos. Estamos num ponto perto do limite, e vamos começar a ter problemas sérios se não forem tomadas medidas para modificar o processo", alerta Paulo Bernardo. Os problemas identificados por ele referem-se não apenas à dinâmica de funcionamento da comissão e à legitimidade das emendas parlamentares coletivas, mas também à maneira como o Executivo manipula o Orçamento e esquiva-se de liberar o dinheiro que promete - por escrito - aos parlamentares. Depois da CPI do Orçamento, analisa Paulo Bernardo, foi possível acabar com a informalidade. "Havia problemas gravíssimos, como votar relatório não publicado, incluir nos relatórios emendas não divulgadas anteriormente. Subvenções sociais sequer eram votadas, e sequer eram publicadas junto com o Orçamento no Diário Oficial. Essa informalidade levou ao surgimento dos anões que manipulavam a quantidade de recursos e decidiam para onde destiná-los". Depois de constatada a farra parlamentar, as regras ficaram mais rigorosas. Tudo que se faz no Orçamento, tem que estar escrito, publicado e votado. Hoje, cada parlamentar pode apresentar até 20 emendas individuais, no valor global de R$ 3,5 milhões. "Criamos ainda a possibilidade das emendas coletivas para obras estruturantes, com responsabilidade da bancada", explica Bernardo. O processo é mais legítimo, mais seguro, mas vieram novos problemas. Entre eles, o deputado destaca: Distorções nas emendas Há dois tipos de emendas coletivas, de bancada e de comissões. E dois tipos de problemas. As bancadas podem apresentar entre 18 e 23 emendas, dependendo do tamanho do Estado e do número de representantes que têm no Congresso. Não há limite de valor para essas emendas, que deveriam ser utilizadas para grandes obras de infra-estrutura nos Estados. "As emendas de bancada estão se tornando emendas individuais de maior vulto, disfarçadas", denuncia o deputado. A bancada apresenta uma única emenda para várias obras, em vários municípios, rateada. Outra dinâmica equivocada: ao invés de discutirem uma emenda coletiva, os parlamentares combinam de apresentá-las individualmente. Por exemplo: numa bancada de 15 parlamentares, podem ser apresentadas 18 emendas. Cada um apresenta uma, e sobram três, que são elaboradas pelo governador e pelo prefeito da capital. O resultado é puro conflito. Cada um luta individualmente por sua emenda. Lobby dos ministérios Já as emendas de comissão, que são no máximo cinco, passaram a servir de instrumento para lobby de segmentos do Executivo. "Setores do governo que não ficaram satisfeitos com a proposta orçamentária vêm para o Congresso e pedem para as comissões se articularem e apresentarem propostas". A forma como o Congresso e o Executivo lidam atualmente com a proposta orçamentária, na opinião do petista, abre ainda flancos mais sérios, como o da chantagem política. A Câmara passou o mês de novembro sem votar um único projeto, numa rebelião contra a lenta execução orçamentária. Orçamento impositivo O problema seria solucionado, segundo o deputado, se o Orçamento fosse impositivo. Tem que cumprir o que está escrito. Essa idéia foi levada ao então presidente do Congresso, Antonio Carlos Magalhães, em 1995, por Bernardo e os deputados Sérgio Miranda (PC do B-MG) e Aroldo Cedraz (PFL-BA). Hoje ACM é defensor intransigente da mudança. A proposta de emenda constitucional (PEC) tramita no Congresso. O Orçamento impositivo, salienta Bernardo, exige uma mudança de cultura política. "Para os Executivos é muito melhor ficar do jeito que está. Dá confusão, conflito, mas o poder de intervenção sobre o Legislativo é enorme", assinala. Faca no pescoço O Executivo, por outro lado, também fica refém do Legislativo. Sem Orçamento votado, o governo fica proibido de gastar recursos em investimentos. Só pode liberar dinheiro para despesas obrigatórias, como pagamento de pessoal, de dívidas, juros e aposentadorias. "A não votação do Orçamento significa o caos. Toda hora alguém coloca a faca no seu pescoço, dizendo: se não resolver o meu problema, não votamos. E a regra da comissão permite que um único parlamentar adie indefinidamente a votação", aponta. "Qualquer governador que tem uma pedra no sapato pede para o parlamentar não votar o orçamento, e começa a chantagear o Palocci", acrescenta o deputado. Paulo Bernardo sugere que a LDO seja modificada. Se o Congresso não votar o Orçamento, o Executivo fica autorizado a executar a proposta orçamentária original. Propõe, também a revisão do prazo para o relator do Orçamento reestimar a receita. O governo sempre faz propostas conservadoras, e o Congresso inicia busca frenética para aumentar o volume de recursos. "Até 15 de novembro deveria ser o prazo máximo. E com regras claras sobre a alocação dos novos recursos", sugere. Paulo Bernardo acha ainda que é preciso rever a lei complementar 4.320, publicada em 1963, que define regras de execução e empenho orçamentários, restos a pagar, etc. A lei é ótima, segundo ele, mas um tanto quanto desatualizada. "É urgente que comecemos a debater tudo isso. Não podemos ter a ilusão de que estará tudo resolvido em seis meses. Pode levar um ano, dois anos para mudar toda essa estrutura. E talvez mais três, quatro anos para consolidar a aplicação das mudanças.