Título: Aprofundar mudanças
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Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2011, Opinião, p. 22

Continuidade sim, mas com inovação ¿ novas ferramentas e novos valores. Essa, a síntese do discurso de posse de Dilma Rousseff. No Congresso Nacional, a presidente foi muitas vezes interrompida por aplausos e gritos de ¿Dilma, Dilma¿. Mas mantinha a concentração. Só se permitiu maior emoção ¿ chegando a engasgar e a ensaiar um início de choro ¿ , ao lembrar o passado de guerrilheira e homenagear os companheiros mortos na jornada. Fez isso para declarar ter dedicado a vida à causa do Brasil, afirmar não guardar arrependimentos, ressentimentos nem rancores e reafirmar o compromisso com a democracia. ¿Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras¿, lembrou frase da campanha.

Dilma procurava, assim, afastar os temores de que seu governo tenda a exercer alguma forma de controle sobre os meios de comunicação. Também teve o cuidado de expurgar da própria imagem a fama de atropeladora da natureza em prol do crescimento. A crítica se tornou frequente a partir dos embates que teve com a ministra Marina Silva em torno de concessões ambientais para a construção de hidrelétricas. Dilma ressaltou o privilégio de o Brasil ser detentor da matriz energética mais limpa do mundo.

Das palavras à ação, caberá ao futuro comprovar ou negar a coerência. Lula, por exemplo, prometera na posse reformas política e tributária que não se concretizaram. Dilma voltou a pô-las na mesa. A primeira, para ¿fazer avançar nossa jovem democracia¿, fortalecendo ¿o sentido programático dos partidos¿ e dando maior transparência à administração pública. A segunda, para maior simplificação e racionalidade no recolhimento de impostos e contribuições , com ênfase no aumento da competitividade da indústria nacional. Diferenciou-se do antecessor, que criticava o Tribunal de Contas da União, ao anunciar ¿todo o respaldo¿ aos órgãos de fiscalização, com combate permanente à corrupção.

Com diagnóstico realista, a presidente lembrou a necessidade de remover as travas que inibem o dinamismo econômico e assegurar a estabilidade dos preços. Educação, saúde e segurança mereceram destaque. Os professores, assegurou, ¿serão as verdadeiras autoridades da educação¿. Segundo Dilma, o setor avançou quantitativamente, mas está devendo em qualidade. Para a saúde, prometeu empenho pessoal na consolidação do SUS. Na área de segurança, lembrou o êxito da coordenação das polícias na retomada do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, para propor a intensificação desse tipo de ação, com maior capacitação dos setores de inteligência e controle das fronteiras, destacando a importância do combate às drogas, em especial a tragédia do crack.

As mulheres mereceram homenagem especial. A referência a elas abriu o discurso. Na ordem de enumeração de compromissos, ¿honrar as mulheres¿ precedeu o ¿proteger os mais fracos ¿ e o ¿governar para todos¿. Maioria da população, as mulheres respondem pela manutenção de 27% dos lares nacionais e contribuem cada vez mais na divisão de responsabilidades. Apesar disso, continuam a sofrer discriminação. A expectativa é que o cenário mude . ¿A ousadia de eleger uma mulher¿, disse a presidente, ¿melhora nossa sociedade e valoriza nossa democracia.¿