Título: Ofertas generosas
Autor: Balbi, Sandra
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2007, Caderno Especial, p. F1

Dívida bancária em tempos de juros declinantes e de crescimento econômico deixou de ser uma dor de cabeça para as empresas, como foi no passado recente, quando os custos financeiros corroíam o caixa e comprometiam o futuro das companhias endividadas. Hoje, financiamentos bancários alavancam o investimento e a produção e ajudam a sustentar o crescimento, dizem analistas. Neste ano, até março, o saldo das operações de crédito do sistema financeiro chegou R$ 757,1 bilhões - 31,3% do PIB - o nível mais alto em dez anos. Os empréstimos a pessoas jurídicas, de grandes corporações a butiques, representaram a maior fatia desse total, atingindo R$ 425,2 bilhões, mostram dados do Banco Central que incluem aplicações com recursos livres e as operações do BNDES. Analistas e executivos de bancos esperam um crescimento entre 20% e 25% do mercado de crédito à pessoa jurídica em 2007.

A carteira que mais cresce neste ano é a destinada a investimentos. No segmento de recursos livres, o salto foi de 37%, em 12 meses, totalizando R$ 12,2 bilhões em novos empréstimos no final do primeiro trimestre. Os desembolsos do BNDES também dispararam, totalizando R$ 36,3 bilhões até abril, 42,5% superiores aos desembolsos feitos nos quatro primeiros meses de 2006.

Os volumes de crédito destinados a aumento de capacidade produtiva significarão, no futuro, menos descompasso entre oferta e demanda, afastando o risco de inflação, segundo Bráulio Borges, economista da LCA Consultores. "A expansão do crédito bancário às empresas permitirá que a Selic continue em queda", diz ele.

Ao mesmo tempo em que se preparam para atender à demanda futura, as empresas estão aumentando a escala de produção para acompanhar o ritmo atual do consumo doméstico, que só no primeiro trimestre deste ano cresceu 5,8%, segundo dados do IBGE. Para isso, precisam de mais capital de giro. Essa ainda é a maior carteira de empréstimos do sistema financeiro à pessoa jurídica e a segunda que mais cresceu neste ano, 21,3% até março em relação a março de 2006, totalizando R$ 30,5 bilhões de novos financiamentos com recursos livres.

A queda dos juros constitui o pano de fundo dessa movimentação. Os sucessivos cortes na Selic encolheram os ganhos de tesouraria dos bancos e eles passaram a disputar clientes no setor privado para manter suas margens de lucro. "Os bancos sabem que sua rentabilidade futura depende da expansão segura do crédito", diz Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências. Na caça ao cliente eles lançaram novos produtos, ampliaram prazos de financiamento, treinaram gerentes e foram atrás das pequenas e médias empresas, às quais relutavam em emprestar dinheiro até recentemente. "São essas empresas que estão impulsionando as carteiras de crédito dos bancos, pois as grandes corporações têm encontrado no mercado de capitais uma fonte abundante de recursos a custos mais baixos" , diz Borges, da LCA.

No ano passado, os cinco maiores bancos do país emprestaram às pequenas e médias empresas R$ 104,8 bilhões - 30,8% a mais do que em 2005, segundo levantamento da Standard & Poor´s, com base nos balanços do Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Unibanco e ABN Amro Real. Essas carteiras têm spreads mais altos e seguem em expansão neste ano, revelando o acirramento da concorrência entre os bancos.

A disputa por novos clientes está concentrada nas empresas com faturamento de até R$ 30 milhões anuais onde o risco de inadimplência é menor. "A concorrência já fez a taxa anual de juros dos empréstimos para as empresas desse porte cair sete pontos percentuais em um ano e meio, um ponto a mais do que a redução da Selic", diz Jorge Pedro de Lima Filho, superintendente nacional de crédito à pessoa jurídica da Caixa Econômica Federal. Também fez os grandes bancos descerem mais um degrau na pirâmide, passando a oferecer mais crédito às microempresas.

Já os bancos estatais, tradicionais fornecedores de recursos para as empresas de menor porte, decidiram trafegar na contramão dos bancos privados. A CEF, que tem 80% da sua carteira de crédito corporativo dedicada às microempresas, passou a disputar as cotações de financiamentos às grandes corporações. "Nosso foco será sempre a micro e pequena empresa, mas com a queda dos juros, a rentabilidade das operações com grandes empresas, mesmo com spreads baixos, é maior do que nas operações de tesouraria", diz Lima Filho.

Apesar de também ter como prioridade o financiamento aos pequenos clientes corporativos o Banco do Brasil não se descuida da rede de atacado, que atende às médias e grandes corporações. Esses clientes respondem por uma carteira de peso: em maio, o saldo dos financiamentos chegou a R$ 51,2 bilhões, registrando expansão de 12,25% em relação a dezembro do ano passado.

Segundo Sidney Passeri, diretor executivo da diretoria comercial do BB, a estratégia do banco para expandir as operações às empresas de maior porte foi customizar produtos de prateleira e aumentar os prazos das linhas para capital de giro, que hoje podem chegar a seis ou sete anos, dependendo da análise do fluxo de caixa do cliente. Exemplo de produto customizado é a adaptação do BB Capital de Giro, em que os recursos do financiamento contratado pelo cliente são depositados diretamente na conta dos credores da empresa. "Adequamos os produtos às necessidades dos grandes clientes e isso explica porque eles continuam buscando financiamento bancário apesar de terem acesso ao mercado de capitais", diz Passeri.

O BB também cavou trincheiras para defender seu core business na área de crédito - as 1,5 milhão de micro e pequenas empresas que faturam até R$ 15 milhões por ano. "Queremos chegar ao final do ano com 1,7 milhão de clientes no segmento e uma expansão de 26% na carteira de crédito", diz José Carlos Soares, diretor de micro e pequenas empresas do banco. Para isso o BB lançou um pacote que isenta os novos clientes de uma série de taxas e tarifas por seis meses na concessão de crédito, ampliou de 12 meses para 18 meses os prazos do BB Giro Rápido, uma espécie de cheque especial corporativo, e se prepara para lançar ainda neste mês um produto de capital de giro mais flexível para atender às necessidades específicas de micro e pequenas empresas.

Maior banco privado do país, o Bradesco vem mirando as empresas de menor porte, o chamado middle market, há alguns anos. "Há quatro anos lideramos os repasses de financiamentos do BNDES para essas empresas", diz Ademir Cassiello, diretor executivo do banco. No primeiro trimestre, a carteira de crédito das pequenas e médias empresas cresceu 27,5%, em relação a igual período do ano passado, para R$ 29,8 bilhões, volume quase igual ao das grandes corporações.

Para atrair o pequeno empresário, o banco fez mudanças na organização. "Nos últimos dois anos treinamos cinco mil gerentes para atender empresas com faturamento anual de até R$ 25 milhões e nomeamos um diretor para a área", diz Cassiello. As agências possuem geomapas que mostram quantas empresas existem na sua área de atuação e de acordo com o potencial da área alocam mão-de-obra para garimpar novos clientes. "Cada gerente é avaliado pela performance", diz Cassiello.

No Itaú, o que puxou a área de crédito à pessoa jurídica no primeiro trimestre foram os empréstimos às micro, pequenas e médias empresas. Essa carteira cresceu 77,6% em relação a março do ano passado. O saldo das operações chegou a R$ 24,3 bilhões, o mesmo patamar da carteira das grandes corporações. Segundo o banco, essa performance é resultado da consolidação das operações do BankBoston no Chile e no Uruguai. Antes da compra do Bank Boston, entretanto, o Itaú já vinha armando sua estratégia para crescer entre as nanicas. No fim de 2005 criou 150 unidades na capital paulista para atender empresas com faturamento anual de até R$ 500 mil. E já expandiu o serviço para 80 cidades do interior de São Paulo, Rio de Janeiro e neste ano deverá chegar ao Paraná e Minas Gerais.

Também no espanhol Santander a carteira de crédito que mais cresce é a do middle market. No primeiro trimestre, a expansão foi de 44,5% em relação a igual período de 2006. "Estamos ganhando mercado, crescendo em ativos e passivos, ou seja, pondo mais clientes no banco", diz Eduardo Dacache, vice-presidente de empresas, área que atende companhias com faturamento anual de até R$ 20 milhões e também grandes corporações. Segundo o executivo, o Santander atua como consultoria aos clientes desse segmento, buscando entender suas necessidades para sugerir a melhor opção dentro da gama de produtos do banco. Um dos atrativos do banco são os prazos nas linhas destinadas a investimentos: de cinco a sete anos para o middle market e até 10 anos para as grandes corporações.

Enquanto a concorrência disputa as empresas de menor porte, o Banco Real se prepara para expandir em 30% sua carteira de crédito, neste ano, apoiando as companhias que acreditam que vão liderar o processo de crescimento do Brasil, independentemente do seu porte, segundo João Roberto Teixeira, vice-presidente do banco. "Vamos crescer mais do que o mercado", diz ele. A expansão do crédito virá tanto das pequenas e médias empresas como do financiamento à exportação e do mercado de high yield (títulos privados denominados em dólar). Um fator de atração de clientes são os prazos para financiar investimentos, que podem chegar a cinco ou dez anos, dependendo da estrutura de garantias apresentada pelo cliente. Setores como o da construção civil, médias exportadoras e de infra-estrutura estão entre as prioridades na concessão de recursos.