Título: Queda dos juros estimula competição
Autor: Vieira, Maria Cândida
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2007, Caderno Especial, p. F2

Se houver queda mais acelerada das taxas de juros, os bancos privados poderão começar a financiar segmentos da economia não atendidos por eles até hoje, como a compra de ônibus, caminhões, tratores e máquinas agrícolas, com prazos de pagamentos dos empréstimos de cinco a sete anos. Com essa perspectiva, a tendência do BNDES seria reduzir sua participação no crédito desses equipamentos, passando a ter um papel semelhante ao de outras grandes instituições de desenvolvimento, que concentram seus financiamentos em prazos mais longos.

Essa atuação dos bancos privados, aliada à consolidação mais ampla do mercado de capitais, vai permitir o compartilhamento de ações entre essas instituições e o BNDES para aumentar os investimentos de longo prazo no país. Mas essas mudanças não deverão acontecer de forma abrupta, podendo ser aceleradas ou desaceleradas de acordo com as condições de liquidez interna e externa da economia.

A avaliação é de Ernani Teixeira Torres Filho, economista e chefe da Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE) do BNDES. "Pode haver complementaridade no sistema, porque o BNDES não compete com os bancos privados. Nós não encolhemos os financiamentos, foram os bancos privados que encolheram seus financiamentos de prazos mais longos", afirma, referindo-se a uma discussão entre economistas de que a instituição inibiria a ação de bancos privados nesses segmentos econômicos.

O mercado brasileiro está mudando com a queda das taxas de juros e o aumento da competição entre as instituições financeiras, lembra o economista. Mas isso não quer dizer que "um ou outro", ou seja, os bancos privados ou BNDES, deva predominar nos financiamentos de um determinado segmento. "Se os bancos privados, por exemplo, forem competir no financiamento de máquinas e equipamentos agrícola, isso será muito bom".

Essas mudanças que ocorrem no mercado provocam impactos no BNDES, diz Torres, que analisa o tema no artigo "Os bancos de desenvolvimento e a experiência do BNDES, resumo de um capítulo de um livro que será publicado pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Segundo ele, em "todo mundo os governos intervêm no mercado de crédito", porque as condições de crédito afetam o nível de atividade, de emprego, da taxa de investimentos e da trajetória de crescimento da economia.

O grau de intervenção e os instrumentos de crédito, no entanto, variam de país para país. "Nos EUA, por exemplo, o direcionamento é feito, principalmente, através de instrumentos de garantia e créditos concedidos pelos bancos privados", afirma. Já no Japão e Alemanha, os bancos públicos foram responsáveis respectivamente por 20% e 45% do mercado bancário em 2005.

Na comparação com os bancos de desenvolvimento da Coréia (Korean Development Bank - KDB), da Alemanha (Kredintaaltanit fur Weidarufban - KfW) e de organismos multilaterais como Banco Mundial (Bird) e Banco de Desenvolvimento Interamericano (BID), o BNDES foi a instituição que desembolsou o maior volume de recursos em 2005, totalizando US$ 20 bilhões. Naquele ano, o Bird liberou US$ 9,7 bilhões, o BID US$ 4,9 bilhões, enquanto os bancos da Coréia e da Alemanha desembolsam "anualmente somas próximas às dos organismos internacionais, de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões", destaca Torres.

O grande desembolso de recursos em relação às outras instituições, de acordo com o economista, ocorre pela importância da produção agrícola na economia brasileira e pelo fato de o país ter uma importante indústria de veículos automotores e equipamentos agrícolas.

Outros economistas também consideram a perspectiva de atuação de bancos privados nos financiamentos de médio e longo prazos como positivas. Fabio Silveira, da RC Consultores, afirma que é preciso um esforço conjunto das instituições privadas e BNDES para investimentos mais longos. "Tem que haver uma convergência entre bancos privados e o BNDES. Este pode ter uma atuação mais estratégica para fortalecer alguns segmentos da economia, que estão perdendo competitividade por causa do câmbio como o têxtil e de calçados".

"A entrada de bancos privados em financiamentos com prazos mais longos pode estimular a competitividade, favorecendo os investidores", diz Edgar Pereira, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). De acordo com ele, os bancos voltariam ao seu papel original de conceder crédito ao setor privado para financiar consumo ou investimentos, porque atualmente com a dívida pública eles estão "emprestando para o governo".

Para Luiz Gonzaga Beluzzo, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), será "muito saudável" se os bancos privados começarem a financiar equipamentos agrícolas, por exemplo. "Se ocorrer uma queda mais acelerada das taxas de juros, o setor financeiro se tornará mais competitivo e o BNDES poderá investir mais em infra-estrutura", afirma. Ele lembra ainda que além dos bancos financiarem a longo prazo, é necessário um maior desenvolvimento do mercado de capitais para alavancar investimentos.