Título: Transferências da União geram perda de receita
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2006, Brasil, p. A5

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) gerou aumento de arrecadação própria dos municípios. Esse incentivo, porém, não foi suficiente para compensar o desestímulo à exploração de fontes próprias de recursos gerado pelas transferências obrigatórias da União. Essas foram as conclusões de uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que analisou isoladamente os efeitos da LRF e das transferências sobre a receita própria das prefeituras.

O estudo concluiu que a LRF fez a receita própria das prefeituras crescer, em média, 0,3% acima do Produto Interno Bruto (PIB) do município. As transferências federais, porém, provocaram redução de 5,4% na arrecadação municipal em relação ao PIB.

Para os pesquisadores, este fenômeno influencia também os recentes resultados primários dos governos municipais. De autoria dos pesquisadores João S. Moura Neto, Paulo Eduardo Moledo Palombo e Paulo Roberto Arvate, o levantamento analisou o período entre 1998 a 2004 sobre uma base de dados de 5.421 municípios.

A influência negativa das transferências federais, segundo os pesquisadores, acontece porque esses repasses são feitos de acordo com o número de habitantes - as exceções são as capitais - e não exigem contrapartida das prefeituras e nem possuem controle da destinação. A tendência das prefeituras seria usar os recursos para sustentar a folha de pagamentos. Levantamento com base nos dados do Tesouro Nacional mostra que as despesas de custeio do municípios cresceu de 5,05% do PIB para 7,02% do PIB nos últimos dez anos.

Segundo Palombo, a falta da exigência de uma contrapartida das transferências da União faz com que o administrador municipal aloque os valores livremente, sem nenhum mecanismo de acompanhamento e avaliação do tipo de gasto. "A maior parte tende a alimentar a burocracia pública."

Moura Neto acredita que um fenômeno semelhante influi também nos recentes resultados primários das administrações municipais. Impulsionado pela maior arrecadação de tributos federais que entram na partilha com Estados e municípios, principalmente pelo desempenho do Imposto de Renda (IR), as transferências constitucionais da União aos municípios tiveram crescimento nominal de 14,1% no acumulado de janeiro a outubro de 2006 em relação ao mesmo período do ano passado.

Nesse intervalo, porém, o resultado primário dos governos municipais teve redução nominal. No acumulado até outubro o superávit foi de R$ 2,79 bilhões. Em 2006, as prefeituras registraram no mesmo economia de R$ 3,38 bilhões. "Houve aumento de receitas, mas provavelmente as despesas cresceram mais", diz Moura Neto.

O economista Amir Khair, especialista em contas públicas, explica que, à exceção da cidade de São Paulo, as prefeituras estão cumprindo o limite de endividamento da LFR. "Isso as desobriga de ter um determinado nível de superávit primário para arcar com os juros. Sem nenhum impedimento, as administrações municipais estão elevando as despesas", analisa. O resultado primário é uma forma de mensurar o esforço das administrações de balancear receitas e despesas. Por isso, para o cálculo do resultado não são contabilizados ganhos financeiros, e os gastos não incluem pagamento de juros.

Khair lembra ainda que levantamento com base nas contas do Tesouro mostra que, de 1995 até o ano passado, os municípios elevaram as despesas de custeio em 5,05% do PIB para 7,02% do PIB. "As administrações municipais foram as que mais aumentaram esse tipo de gasto em relação a Estados e União." As despesas de custeio incluem todos os gastos, exceto Previdência, juros e investimentos.

Além da LRF e das transferências federais, a pesquisa da FGV, realizada pelo Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp), também analisou o impacto das transferências estaduais, que provocaram crescimento de 62,3% na arrecadação própria dos municípios em relação ao PIB local. A LRF entrou em vigor em 2001.

Para Palombo, há uma explicação para a diferença entre o impacto das transferências da União e as dos Estados. Ele lembra que os repasses federais não estão correlacionados à atividade econômica do município, porque os recursos são distribuídos conforme o número de habitantes. Para cada faixa populacional é determinado um coeficiente que determinará a fatia da prefeitura no Fundo de Participação Municipal (FPM). A Constituição Federal assegura um coeficiente mínimo de participação para municípios com até 10.188 habitantes e uma participação máxima para as cidades com mais de 156 mil.

O critério para a divisão do bolo das transferências estaduais é bem diferente, lembra Palombo. Pela legislação em vigor, 75% dos recursos obrigatórios que os Estados destinam a seus municípios são distribuídos em proporção direta ao valor adicionado local. "As transferências estaduais são determinadas majoritariamente por um critério que reflete a dinâmica econômica do município, o que favorece o uso dos recursos para a elevação das receitas próprias", diz o pesquisador. "Os recursos da União, porém, não levam em conta a atividade econômica local, somente o número de habitantes."

Khair lembra que o índice mínimo de participação nas transferências federais para cidades com menos habitantes também acaba destinando um volume de recursos representativo para municípios muito pequenos. "Isso gera a dependência desses recursos, porque muitas vezes são locais que não possuem sequer uma estrutura econômica para alavancar arrecadação própria. E esse mecanismo de participação mínima nas transferências federais foi determinado exatamente para garantir a sobrevivência dessas pequenas cidades."

Palombo acredita que as transferências federais tentam exatamente equalizar a capacidade de gastos dos municípios. "O problema é que as transferências não são vinculadas a nenhum tipo de gasto, o que permite à burocracia municipal destiná-los livremente, sem ficar sujeito a nenhum tipo de controle de gastos."

Os efeitos das transferências federais, porém, não são uniformes em todos os municípios. O desestímulo à arrecadação própria é mais forte no Sudeste, onde os recursos causaram redução de arrecadação de 51,49% em relação ao PIB municipal. No Centro-Oeste, a retração foi de 4,5%. Nas regiões Norte e Nordeste, o comportamento foi inverso. Os recursos federais contribuíram positivamente para o aumento de 1,28% na arrecadação dos municípios nordestinos em relação ao PIB local. No Norte, a elevação foi de 4,5%.

Para Palombo, o efeito positivo no Norte e Nordeste pode ser explicado pelo alto volume de transferências voluntárias na região. "Ao contrário dos repasses constitucionais, que se baseiam apenas no número de habitantes, as transferências voluntárias exigem uma contrapartida dos municípios, seja em termos de aporte de recursos ou cumprimento de metas", analisa o pesquisador.