Título: Lula trava aliados na eleição da Câmara
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2006, Política, p. A8

Sem conseguir destravar o pacote do crescimento, Lula deixou por outro lado travar a sucessão na Câmara dos Deputados. Antes de viajar para as festas de Natal, o atual presidente da Casa, Aldo Rebelo, procurou o presidente para dizer que será candidato à reeleição nem que seja para ter só os 13 votos do PCdoB. O comunista disse que não aceita compensação (ministério) para desistir. O risco, para o governo, é que a oposição se anime com a segmentação das divisões lulistas para encastelar um nome próprio na linha sucessória - o segundo - da Presidência da República.

Risco plausível, diante dos antecedentes conhecidos, muito embora o Palácio do Planalto tenha um plano de reserva para a hipótese de o confronto Aldo-PT levar o governo a um beco sem saída. O que inquieta os aliados é que Lula antes também assegurara que não deixaria a situação chegar ao ponto a que chegou, há três semanas promete intervir na questão e agora balança entre Aldo e Arlindo Chinaglia, o candidato do PT, depois de passar semanas manifestando preferência pela reeleição do atual presidente da Câmara.

A reação de Aldo deu-se por conta da bem-sucedida ofensiva desencadeada semana passada por Chinaglia e o PT. Aldo, é bem verdade, bateu cabeça ao se expor e assumir sozinho a conta do super-aumento dos parlamentares - em reunião da direção do PCdoB, defendera R$ 16 mil, mas como presidente se achou na obrigação de apoiar a decisão dos líderes partidários. Chinaglia também apoiou o salário de R$ 24,5 mil, mas permaneceu à sombra ao se dar conta da reação da opinião pública. Com o presidente em lua-de-mel com a opinião pública, o desgaste do petista no Planalto foi menor.

Ato seguinte, o PT e Chinaglia mobilizaram o exército aliado para bombardear o gabinete de Lula com notícias de que Aldo saíra enfraquecido do embate salarial. E o pior: as medidas moralizadoras que tomara durante sua gestão, como o corte de mil cargos de natureza especial, fizeram que ele perdesse eleitores no baixo clero, que forma a grande maioria do eleitorado da Câmara. A gota d'água, no entanto, foi a carta em que o presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, propôs formalmente um acordo ao PMDB para a eleição de um petista agora e de um pemedebista daqui a dois anos.

Além da iniciativa unilateral, o que irritou Aldo e seus aliados foi o trecho carta em que Garcia justifica a aliança PT-PMDB como saída para o "quadro atual na Câmara". Soou como se o PT e o PMDB nada tivessem a ver com o quadro de mensalão, mensalitos, sanguessugas e decisões em causa própria que permearam e enlamearam o final da atual Legislatura. Na própria quarta-feira, quando a carta foi divulgada, aliados de Aldo se propuseram a lançar sua candidatura. O deputado pediu um tempo para falar com Lula.

Aldo chegou no fim da tarde ao Planalto. Alguns petistas e auxiliares do presidente avaliavam que, desgastado externamente pelo episódio dos supersalários, ele iria renunciar à recandidatura. Há quem julgue que Lula o recebeu imediatamente também porque pensava dessa maneira - o presidente enrolou uma audiência com Márcio Thomaz Bastos (Justiça) por pelo menos uma semana, porque sabia que ele iria pedir demissão do cargo. Deu-se exatamente o oposto.

-------------------------------------------------------------------------------- Aldo diz que é candidato mesmo só com PCdoB --------------------------------------------------------------------------------

Aldo disse a Lula que um grupo de correligionários, inclusive da oposição, queria lançar sua candidatura à reeleição, mas que ele pedira um tempo para avisá-lo antes. Por uma "questão lealdade, amizade e respeito". Sem disfarçar a surpresa, Lula respondeu que Aldo sabia que, se dependesse dele, o deputado seria reeleito. Mas ressaltou que havia alguns problemas a serem superados. Auxiliares que estiveram com o presidente depois da audiência com Aldo dizem que Lula hoje balança: vai apoiar aquele que mais unir a base da coalizão.

Cálculos de lado a lado avaliam que Aldo e Chinaglia estão em situação de empate técnico, com ligeira vantagem para o deputado do PCdoB. O que não deixa de ser uma boa notícia para o candidato petista, que largou bem atrás. Aldo tem o PMDB governista - mas que aguarda uma sinalização de Lula - e de dois deputados-chave: Ciro Nogueira (PP-PI), que foi braço direito de Severino Cavalcanti e é uma espécie de cardeal do baixo clero, e do incansável Inocêncio Oliveira (PL-PE), ex-presidente da Câmara, nome que pode surpreender mais adiante.

Chinaglia conta com o apoio do líder do PP, José Janene (PR), o último mensaleiro absolvido. Recentemente, José Borba (PR), ex-líder do PMDB e ex-mensalista que renunciou para não perder o mandato, sentou praça na Câmara para fazer campanha para o petista. Mas seu grande trunfo será a formalização de um apoio com o PMDB, onde no momento Chinaglia conta com o interesse e o trabalho do chamado grupo neolulista, que antes fazia oposição ao governo. Deste grupo participa o presidente da legenda, Michel Temer, que deu divulgação à carta de Marco Aurélio Garcia e desencadeou de vez o processo sucessório.

Lula promete entrar na discussão em janeiro. Já a partir do dia 2 começaria a fazer consultas em torno da composição do novo ministério e da sucessão na Câmara. No caso de um impasse irredutível entre os deputados, e de a base não se unir um torno de uma candidatura, já se avalia no Planalto um Plano B: o governo teria seu próprio "Severino Cavalcanti" como candidato: Inocêncio Oliveira, parlamentar considerado bom de voto e que está à espreita do desenrolar dos acontecimentos no terreno minado da aliança governista.

É um nome da confiança de presidentes da República. No governo Sarney, mandou para o arquivo um pedido de impeachment sem dar satisfação a ninguém. Mas Lula ainda tem cartas na manga: oferecer a Chinaglia a sucessão de Aldo (aumentando o preço do PMDB na negociação) ou um ministério a um dos dois - boato que circula nos dois lados, em relação ao adversário, para sugerir que o outro já foi preterido.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

E-mail raymundo.costa@valor.com.br