Título: Congresso fraco abriu espaço para fortalecimento do Poder Executivo
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2006, Política, p. A8

Mensalão, sanguessugas, eleição de Severino Cavalcanti para a presidência, CPIs dos Correios e dos Bingos. Os últimos quatro anos prometem ficar registrados na história recente do Congresso Nacional como o seu período mais turbulento. O enfraquecimento da Câmara e do Senado, com tantas crises, tornou os parlamentares reféns de uma sanha legisladora sem precedentes do Poder Executivo.

A comparação entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva revela uma grande diferença. Nunca tantas sessões da Câmara ficaram tão trancadas em função do excesso de medidas provisórias editadas pelo presidente como no governo do PT.

Em 2002, último ano de FHC, o PSDB mandou ao Congresso um excesso de medidas provisórias. Durante aquele ano, a Câmara viu sua pauta ser trancada em 48 sessões por força das MPs enviadas por Fernando Henrique. O governo Lula conseguiu superá-lo em 52% no mesmo período. Em seu último ano de mandato, o presidente trancou a pauta da Câmara em 92 sessões do plenário.

A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, alterou o rito das MPs. As novas regras determinaram que depois de 45 dias do envio de uma medida provisória pelo governo ao Congresso, a pauta dos plenários da Câmara ou do Senado não podem votar nada até a apreciação do texto do Planalto. Portanto, só o último ano do governo FHC pode ser usado como parâmetro de comparação.

O governo Lula se superou a cada ano. Em 2003, o Câmara ficou com a pauta trancada por 74 sessões. No ano seguinte, 103 sessões foram travadas pelas MPs. Em 2005, o recorde: nada menos do que 113 reuniões do plenário ficaram sobrestadas. O último ano de Lula - apesar da queda para 92 sessões trancadas - experimentou a maior seqüência de sessões trancadas desde o início da vigência da Emenda 32. Foram exatos quatro meses sem votação de nenhuma outra matéria a não ser MPs no plenário: entre 4 de maio e 4 de setembro.

O líder do P-SOL, Chico Alencar (RJ), divide a última legislatura em duas partes: e em ambas vê o enfraquecimento do Congresso Nacional como motivador dessa avalanche de MPs. "Em 2003 e 2004, nossa pauta foi hegemonizada pelo Executivo por causa do frescor da vitória do presidente Lula. O governo nos pautou", analisa Alencar. "E, nos anos de 2005 e 2006, os escândalos de corrupção e as crises de relacionamento com o Executivo enfraqueceram o Parlamento", diz.

Para o deputado, a legislatura esteve tão mergulhada em crises e escândalos que perdeu suas funções primordiais. "O Congresso deixou de ser uma usina de produção de idéias, de debates aprofundados sobre políticas públicas. Viramos uma delegacia de polícia nos últimos anos", afirma.

A mesma divisão dos dois biênios é feita pelo líder da Minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA). "Nos dois primeiros anos, o governo optou pela cooptação de deputados. Depois, vimos que as armas usadas para a cooptação eram ilegais", analisa o pefelista, ao lembrar do mensalão.

O líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE), segue a mesma linha: "Expusemos nossas vísceras. A interlocução com o governo foi péssima. E ainda criamos uma autofagia, quando dividimos a Casa em réus, juízes, jurados, promotores e advogados de defesa".

Perguntado se a atual legislatura foi a pior da história do parlamento, Múcio foi além. "Não sei nem se podemos compará-la a qualquer outra. Essa legislatura foi imbatível. E ela terminou em sua última noite, na quarta-feira, quando tivemos de pedir desculpas à população por tentar aumentar nossos salários. Uma noite melancólica para uma legislatura melancólica", diz o petebista. Deputados e senadores tentaram elevar seus rendimentos em 91% há duas semanas. Pressionados, recuaram.

Para Múcio, Alencar e Aleluia, o pior momento nos últimos quatro anos foi a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara. "A eleição dele foi o símbolo maior. Foi o ato juridicamente perfeito do que se transformou a Casa", diz o líder do P-SOL. Aleluia avalia que a eleição de Severino foi "o começo do fim" da legislatura. "A partir dali, o descontrole imperou", diz.

Para ele, o momento mais grave dos últimos quatro anos foram os dias que se seguiram ao depoimento do publicitário Duda Mendonça na CPI dos Correios. O marqueteiro da campanha de Lula assumiu ter recebido dinheiro de caixa 2 da campanha do presidente em um paraíso fiscal. "O parlamento não teve força para pedir o impeachment do presidente da República. Aquilo abalou as estruturas. Foi a demonstração de que o Congresso estava desmoralizado e não atuava em uma das suas principais funções, que é punir e investigar algo flagrantemente irregular", avalia.

O líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), considera a atual legislatura como a "de muitos problemas". Mas lembra momentos importantes. Dentro da pauta de melhorias éticas, o petista aponta a diminuição do recesso parlamentar e o fim do salário extra pago a deputados e senadores nas convocações extraordinárias como grandes avanços.

"Aprovamos também o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (o Fundeb), a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, as PPPs e a Reforma do Judiciário. Não podemos desprezar essas conquistas", diz Fontana. Ele concorda que a eleição de Severino foi o pior momento da legislatura.

A péssima relação com o Congresso fez o governo ter grandes derrotas. Duas indicações ao Tribunal de Contas da União (TCU) foram derrubadas pela Câmara. Uma nomeação para o Conselho Nacional de Justiça também caiu. Além, claro, da eleição de Severino, quando o PT tinha dois candidatos - Virgílio Guimarães (MG) e Luiz Eduardo Greenhalgh (SP). A falta de unidade da base aliada levou Severino à vitória.

No Senado, maior trincheira da oposição durante todo o mandato de Lula, o governo perdeu a briga na MP dos Bingos. Os senadores ainda aprovaram medidas consideradas "irresponsáveis" até por deputados da oposição, como o 13º do Bolsa Família. A CPI dos Bingos, restrita ao Senado, investigou todo tipo de acusação possível como o governo Lula e foi fundamental para a queda do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com o episódio do caseiro Francenildo Costa.