Título: 2007 segundo tempo
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2007, EU & Investimentos, p. D1

O segundo semestre começa com algumas nuvens no horizonte dos investimentos. A crise dos papéis hipotecários de maior risco (subprime) nos Estados Unidos, que abateu alguns fundos especulativos americanos semanas atrás, não está totalmente mapeada. Novas notícias de prejuízos bilionários podem voltar a abalar a confiança dos investidores, reduzindo o apetite por risco, ou seja, por ativos brasileiros. É mais um ingrediente na salada de incertezas da economia americana, com inflação, juros e crescimento alimentando o vaivém nas bolsas de lá e daqui.

Olhando para além das nuvens carregadas analistas vislumbram, porém, sinais de bonança e oportunidades, especialmente para o Índice Bovespa, que liderou as aplicações em junho e no semestre, com altas de 4,06% e 22,30%, respectivamente. Muitos analistas estão revendo para cima suas projeções de Ibovespa, alguns enxergando até 70 mil pontos nos próximos 12 meses.

Este mês será decisivo para se saber a extensão da crise no mercado americano de subprime. Ligados a hipotecas de maior risco, esses papéis são estruturados em pacotes parecidos com nossos fundos de recebíveis (FIDC), explica Eduardo Castro, superintendente executivo de investimento da ABN Amro Asset Management. "Ninguém consegue avaliar exatamente esse impacto e , dependendo do tamanho do prejuízo, a crise do subprime pode se espalhar pelo mercado financeiro, afetar a economia e derrubar os mercados internacionais", diz. A situação garante, no mínimo, muita volatilidade no curto prazo.

No cenário interno, o investidor deve ficar de olho nos juros, que subiram bastante na semana passada, especialmente os de prazo mais longo. O contrato futuro de DI para janeiro de 2010, que chegou a pagar menos de 10% ao ano, bateu na semana passada 10,80%. Já o dólar, que vinha desabando, ganhou um pouco de sustentação e fechou o mês no azul pela primeira vez no ano, com ganho de 0,21%.

Duas notícias no mercado local amplificaram os fatores negativos externos, afirma Castro. A primeira, a alta dos alimentos, que levou o mercado a rever a inflação para 2007 e 2008. A outra foi decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de manter a meta de inflação do governo em 4,5% para 2009, quando o mercado esperava uma redução para 4%. "Ficou a impressão de que o governo vai trabalhar com inflação mais alta, o que significa que, mais à frente, seria necessário aumentar os juros para combater novas pressões inflacionárias", explica o executivo. Ele lembra que, entre os países que adotam o regime de metas, o Brasil é o que tem a inflação proporcionalmente mais alta.

No dólar, com as condições locais muito favoráveis ao real, com fortes superávits nas contas externas, o espaço para altas é limitado, apesar do impacto momentâneo da turbulência externa, diz.

Já a bolsa é o mercado que mais vem resistindo às notícias ruins, explica Castro. "Se comparado ao índice Standard & Poor's da Bolsa de Nova York, o Ibovespa deveria estar caindo bem mais", diz ele. A explicação é a perspectiva de fortes fluxos de investimentos em bolsa, provocados pela clara realocação de investidores locais, pessoas físicas e institucionais. Em termos de valor, os papéis brasileiros ainda seguem baratos em relação aos outros emergentes, apesar de toda a alta deste ano, afirma o executivo. "Isso sem contar a expectativa de o Brasil se tornar grau de investimento no ano que vem."

Castro aponta oportunidades principalmente em bolsa e juros, que poderiam ser exploradas em fundos multimercados, que têm agilidade para aproveitar melhor as flutuações. Ou, se a disposição for de longo prazo, fundos de ações. Num horizonte de 12 meses, Castro trabalha com um Índice Bovespa entre 67 mil e 70 mil pontos, o que representa de 22% a 25% de potencial de ganho para os investidores.

Outros analistas também estão otimistas com a bolsa. A corretora Ágora reviu para cima sua projeção para o Ibovespa, de 56 mil para 62.200 pontos para dezembro, a partir das projeções de melhora dos resultados das empresas, do bom desempenho da economia brasileira e do efeito do grau de investimento. Segundo relatório assinado por Marco Antonio Melo, chefe de análise da corretora, a bolsa brasileira ainda apresenta um desconto de 15% em relação aos demais mercados emergentes - excluindo China-, considerando uma relação preço/lucro (PL) de 13 vezes. Já a corretora Ativa elevou a expectativa do Ibovespa de 53.400 para 58 mil pontos em dezembro, considerando um risco-Brasil menor, explica a analista chefe Mônica Araújo.

A instabilidade dos mercados internacionais reflete também o fim do semestre, época de fechamento de balanços de fundos no Brasil e lá fora, explica Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Investimentos. Esse movimento foi ampliado pela crise dos papéis lastreados em créditos hipotecários americanos nos fundos hedge. "E se tem um mercado onde há alavancagem maior, um risco maior, é no de crédito, especialmente nos chamados CDOs (Collateralized Debt Obligation)", diz ele. Segundo Figueiredo, esses papéis giram valores em torno de US$ 1 trilhão e estão espalhados em fundos dedicados exclusivamente a eles, fundos hedge e até em funde pensão. "Com isso, ninguém consegue entender bem onde está o risco", diz.

Figueiredo acredita, porém, que o problema deve estar restrito a uma parcela menor do total de crédito. "É uma crise localizada, e os Estados Unidos não estão entrando em uma recessão que faria os tomadores pararem de pagar as hipotecas, portanto os papéis não vão virar pó, esse sim seria um risco grande", explica. Ele vê a aversão ao risco atual como um movimento passageiro, que não muda o cenário, de a economia mundial indo muito bem, a americana melhor do que o esperado, liquidez forte e empresas dando lucro. Ele espera que, no curto prazo, o mercado se acalme com as férias na Europa e Estados Unidos em julho e agosto.

A pressão inflacionária dos alimentos, no Brasil e no exterior, é passageira, e não representa um risco para a economia mundial, acredita Figueiredo. Sobre o dólar, ele cita o crescimento da média de fluxo líquido cambial no primeiro semestre deste ano para US$ 9 bilhões por mês, comparada aos US$ 2,3 bilhões do ano passado. "Nesse ambiente, o dólar não sobe nem com reza brava", diz ele, que admite a moeda abaixo de R$ 1,90. Para mudar isso, o mundo teria de reduzir o ritmo de crescimento de 5% ao ano para 3%. Nos juros, ele vê espaço para queda nos prazos mais longos com o cenário externo se acalmando.