Título: Decisão sobre o mínimo expõe Mantega
Autor: Romero, Cristiano e Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2006, Brasil, p. A5

Lúcio Távora/Folha Imagem Lula: "Não tem equipe econômica (...). Tem um governo do qual eu sou presidente e, portanto, eu decido as coisas" O ministro da Fazenda, Guido Mantega, sofreu, com a fixação do salário mínimo acima do patamar que defendia, a sua maior derrota no governo desde que tomou posse no cargo, em abril deste ano. Embora tenha procurado minimizar o fato, Mantega perdeu porque defendeu publicamente uma posição derrotada. Além disso, foi desautorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por Luiz Marinho, ministro do Trabalho.

Na tarde de quarta-feira, enquanto Mantega defendia em entrevista um reajuste menor para o salário mínimo e depois, em audiência no Senado, pregava o rigor fiscal, Lula e Marinho já haviam batido o martelo sobre a correção do mínimo e da tabela do Imposto de Renda, outra decisão que contrariou o ministro da Fazenda. O que para Lula e Marinho já era uma decisão, para Mantega ainda era uma proposta, como chegou a afirmar em rápida entrevista.

A autoridade do ministro da Fazenda foi questionada, mas não foi a primeira vez que ele perdeu no governo. "Não ficou bom para o Guido. Ele fez o discurso correto, eliminou a possibilidade de renegociação da dívida dos Estados, entrou com coragem na discussão do salário mínimo, mas já foi obrigado a ceder em três questões - na necessidade de uma nova reforma da Previdência, no ajuste fiscal de longo prazo e na regulamentação da emenda 29 (dos gastos da Saúde)", avalia um importante interlocutor do presidente.

"Foi, sem dúvida, uma derrota explícita de Mantega. Mais do que defender um valor de salário mínimo que foi derrotado, ele explicitou sua posição. Se o fez, é porque tinha clara noção dos riscos sobre os fundamentos econômicos e porque tinha a certeza - ou uma esperança concreta - de que tinha aval e força no governo para falar daquela maneira", concorda um assessor do Palácio do Planalto.

Avalia-se, ainda, que Mantega perdeu o embate com Marinho, porque este percebeu que, se não negociasse o salário mínimo antes de fechar o pacote de medidas de estímulo ao crescimento, não haveria dinheiro para o reajuste. Além disso, foi um "erro" o governo tomar a decisão sobre o tema, ainda na noite de terça-feira, à margem do ministro da Fazenda e diante de representantes das centrais sindicais.

Ontem, quase em tom de blague, o presidente Lula disse, em entrevista, "não acreditar que R$ 5 de salário mínimo a mais possam ser motivos para o país não crescer". A diferença entre o que a equipe econômica defendia para o mínimo - R$ 375 - e o que foi aprovado (R$ 380) custará R$ 1 bilhão nas despesas do INSS em 12 meses. Embora Mantega tenha afirmado ontem que as desonerações tributárias do pacote de estímulo à economia estejam preservadas, seus assessores garantem que o dinheiro perdido com o reajuste do mínimo foi justamente o dos futuros incentivos fiscais.

O presidente minimizou também a derrota da equipe econômica, especialmente a do ministro Mantega, reafirmando sua autoridade e sugerindo que, agora, o ministro da Fazenda é ele, Lula. "Não tem equipe econômica, não tem equipe produtiva. Tem um governo do qual eu sou o presidente da República e, portanto, eu decido as coisas. Ninguém ganha, ninguém perde. Quem ganha é o povo brasileiro com essa decisão. E é uma decisão minha", afirmou.

Lula disse que os R$ 5 a mais "servirão para se comprar comida, sapato, meia e roupa". "Esse dinheiro nunca será utilizado para compras em dólar, será comprado em comida e produtos brasileiros", disse ele. E defendeu a "eficácia" de medidas econômicas, como o Bolsa Família, o crédito consignado e o próprio reajuste do salário mínimo. "Vamos distribuindo aos poucos e crescendo aos poucos de forma sólida", declarou.

Mantega, bem como o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, confirmou que foi a decisão sobre o mínimo que provocou o adiamento do anúncio do pacote de estímulo à economia. Mesmo minimizando a derrota sofrida, ele reiterou sua posição. "Cada área do governo defende a sua opinião, e o presidente Lula toma a sua decisão", disse ontem, em entrevista. Ele saudou o fato de a nova regra de correção do mínimo dar previsibilidade às contas do INSS e sustentou que não há o risco de, no ano que vem, as discussões serem reabertas a pedido as centrais sindicais. "O governo não aceitará reabrir as discussões."

Ontem, os assessores de Mantega passaram o dia reunidos, discutindo maneiras de cobrir o rombo aberto nas contas públicas pela decisão do salário mínimo. O objetivo é um só: preservar, de alguma forma, o pacote de desonerações tributárias, destinado a estimular o aumento dos investimentos privados, condição para uma expansão mais acelerada da economia.

A preocupação do ministro da Fazenda, agora, é também com a integridade de sua equipe. Ele sabe que dois de seus principais assessores - os secretários Bernard Appy (Executivo) e Carlos Kawall (Tesouro Nacional) - não terão estímulo para continuar no governo, se não houver garantias de que a austeridade fiscal será preservada em 2007. Um amigo do ministro assegura que não há atritos entre Mantega e Appy e que o problema reside na dificuldade em mantê-lo no cargo, assim como Kawall, em face da deterioração fiscal.

Acusado de ter sido o principal responsável pelo desgaste de Mantega, o ministro do Trabalho sustenta, segundo participantes da negociação, que, feito o acordo com as centrais sindicais sobre o novo mínimo, ligou para Mantega (Fazenda) e Bernardo na madrugada de quarta-feira. Já era quase 1h da manhã quando Marinho telefonou para o presidente, que chegara cansado de uma viagem ao Amazonas e já estava dormindo - a negociação, segundo a versão de Marinho, ficou de ser chancelada ou não em reunião com Lula marcada para as 9h da quarta-feira.

Participaram da conversa no Planalto, além de Mantega, Bernardo, Machado e Marinho, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. Marinho contou como fora a negociação com as centrais. Ele teria derrubado o pedido inicial dos sindicalistas para o salário mínimo, de R$ 420, sob o argumento de que esse valor provocaria um forte impacto sobre o abono salarial (PIS/Pasep, um salário mínimo anual para quem ganha até dois mínimos) e no seguro-desemprego, além daquele previsto nas contas da Previdência. Bateram o martelo, então, em R$ 380, contra os R$ 375 admitidos pela área econômica.

Ouvidas as partes, Lula disse que iria almoçar e na volta daria sua decisão. No fim, o presidente avalizou os R$ 380, mas estabeleceu a correção da tabela do IR em 4,5%, em vez de 4,6%, até 2010. A essa altura, Mantega já estava no Senado.

À noite, ainda segundo essa versão, ele teria telefonado para Marinho, que se encontrava no gabinete do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), relator do Orçamento, para "parabenizá-lo" pela negociação. Ontem, Mantega convidou Marinho a viajar com ele para São Paulo no jatinho da FAB. Marinho costuma usar avião de carreira. (Colaborou Alex Ribeiro)