Título: Cresce a liberdade de imprensa no mundo
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Especial, p. A10

Para avaliar o quanto a imprensa está mais livre na Nigéria, vale a pena comparar os jornais de hoje com os publicados uma década atrás. Tome o "Punch", um jornal que não tem "papas na língua". A edição de 18 de outubro trouxe uma reportagem sobre a ocorrência de fraudes em 79 bancos nigerianos. Publicou também um relatório sobre a corte marcial de oficiais da Marinha acusados de permitir o desaparecimento de um navio que contrabandeava petróleo e que estava sob custódia. A mesma edição trazia ainda uma carta de Chinua Achebe, um dos melhores escritores da Nigéria, expressando "inquietação e espanto" com o "caos" instalado em seu Estado natal de Anambra, onde "uma panelinha de renegados alardeia abertamente suas ligações com os altos escalões" do governo, transformando a região num "feudo falido e sem lei". E assim vai. Como a maioria dos jornais nigerianos, o "Punch" é determinado, combativo e um pouco prolixo. Mas a edição de 18 de outubro de 1994 não era nada disso. Na verdade, ela nem saiu. O jornal foi impedido de circular entre junho de 1994 e outubro de 1995. Suas redações foram fechadas pela polícia, seu editor foi preso por um breve período e o governo ignorou uma decisão da Justiça que permitia a sua reabertura. Sob a ditadura de Sani Abacha, o criminoso corrupto que governou a Nigéria de 1993 a 1998, isso era comum. Jornalistas eram presos e torturados, e os jornais para os quais trabalhavam eram banidos, confiscados ou tinham as redações incendiadas. Repórteres aprenderam lições de sobrevivência. Não encontrando seu jornal nas bancas, não iam trabalhar, pois isso provavelmente significava que ele havia ofendido algum poderoso. Os editores do "Punch" faziam reuniões fora do jornal. Mas, desde que Abacha morreu de um ataque do coração enquanto farreava com prostitutas, a liberdade de expressão floresceu na Nigéria. "Estamos caminhando a passos largos", diz Azubuike Ishiekwene, editor do "Punch". O país tem hoje mais de cem jornais nacionais e revistas, mais de 30 estações de rádio privadas e um governo democrático que normalmente tolera críticas. Mas nem sempre: quatro repórteres foram presos em setembro e uma revista irreverente foi fechada. A imprensa mundial é muito mais livre hoje. O colapso da União Soviética irradiou tremores liberalizantes não só pela Rússia, mas também para as suas colônias e satélites. Além disso, o fim da Guerra Fria levou doadores ocidentais a pararem de apoiar ditadores anticomunistas e a começarem a insistir em reformas democráticas. Dos ex-membros do bloco soviético, apenas uns poucos países, como a República Tcheca e a Lituânia, conseguiram se tornar democracias de fato, onde a liberdade de expressão realmente existe. Mas apenas uns poucos países, como Coréia do Norte, Cuba e Turcomenistão, ainda silenciam completamente os dissidentes. A maior parte dos países ex-comunistas tropeçaram no caminho da liberdade de expressão e às vezes uns poucos retrocedem. Os russos, por exemplo, têm hoje muito mais liberdade do que quando estavam sob o regime comunista, mas o presidente Vladimir Putin vem conseguindo impor um grau preocupante de controle informal sobre as principais redes de televisão. Os europeus do leste têm hoje acesso a uma variedade de pontos de vistas, algo que os habitantes da Ásia Central têm menos. A região reprimida de maneira mais uniforme é o Oriente Médio. Mas mesmo lá novas vozes estão sendo ouvidas. Embora tentem, os regimes árabes mais ditatoriais têm falhado em isolar seus povos das legiões de sites (às vezes violentamente conspiratórios e desagradáveis) em língua árabe que pipocam na internet. Esses regimes também não reprimiram as polêmicas novas estações de TV por satélite, como a "Al-Jazeera" e a "Al-Arabiya". Os ditadores hoje são mais raros na América Latina e no leste da Ásia, e a censura, mais branda. No entanto, o progresso vem sendo mais surpreendente na África subsaariana. No fim dos anos 80, quando a África ainda era um campo de batalha das superpotências, apenas três países (Botsuana, Gâmbia e Ilhas Maurício) permitiam às suas populações falar, escrever e transmitir o que elas quisessem. O resto era mais como o Zaire (hoje República Democrática do Congo), onde a televisão estatal mostrava a imagem do presidente Mobutu Sese Seko descendo das alturas como se fosse um deus. Jornais privados são hoje encontrados em quase todas as partes da África, e o número de estações de rádio locais e independentes cresceu cem vezes, de 10 em 1985 para mais de 1.000 hoje. A televisão ainda é dominada pelo Estado, mas, em geral, notícias relativamente não filtradas estão atingindo um número maior de pessoas do que antes. Entretanto, não é essa a impressão que você terá ao ouvir as pessoas que fazem campanha pela liberdade de imprensa. "A liberdade de imprensa sofreu um recuo substancial no mundo em 2003", diz Karin Deutsch Karlekar em sua introdução à pesquisa anual do centro de estudos Freedom House sobre o assunto. "A mídia noticiosa independente está se tornando escassa por toda a África", diz a organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras. "Quarenta e oito jornalistas mortos em 2004", lamenta o Committee to Protect Journalists. Este último ponto é importante. O jornalismo de fato se tornou mais perigoso e não surpreende que os campeões da liberdade de imprensa chamem a atenção para este fato. Segundo o Repórteres Sem Fronteiras, 625 jornalistas morreram em serviço desde 1992. Alguns em acidentes, atingidos em fogo cruzado enquanto trabalhavam como correspondentes de guerra. Mas a maioria foi deliberadamente assassinada por incomodar pessoas poderosas. Entre 1994 e 2003, esses assassinatos por retaliação responderam por três quartos das mortes violentas de jornalistas, afirma o Committee to Protect Journalists. Apenas 1 em cada 10 desses crimes resultou em instauração de processo, o que dirá em condenação. E 122 jornalistas encontram-se presos, geralmente sem um bom motivo, afirma o Repórteres Sem Fronteiras. Os grupos que monitoram a liberdade de imprensa não possuem dados sobre o número de jornalistas que foram mortos nos anos 80, talvez porque poucos tenham sido. Quando os jornalistas eram meros porta-vozes do Estado, o Estado não tinha motivos para ameaçá-los. Em grande parte, a escalada da violência contra jornalistas reflete a maior liberdade que eles conseguiram para incomodar seus governantes. É um efeito colateral desagradável de uma tendência poderosa. Avaliar essa tendência é algo melindroso. A Freedom House possui um índice sofisticado que apresenta três tipos de liberdade de imprensa. Primeiro, se o sistema legal de um país torna fácil para os jornalista a obtenção e disseminação da informação. Segundo, se o ambiente político do país permite aos jornalistas fazer isso sem que eles sejam molestados. Terceiro, se constrangimentos econômicos, como subornos e a influência de proprietários muito poderosos, permitem a liberdade de imprensa. Essas medidas são combinadas para formar uma pontuação que vai de zero (melhor do que a Dinamarca) a 100 (pior do que a Coréia do Norte). No entanto, o índice retrocede apenas até 1994. Para comparar o presente com a era da Guerra Fria, é preciso usar um índice mais antigo e mais cru da Freedom House, que simplesmente classifica os países como "livres", "parcialmente livres" ou "não livres". Desde 1985, a proporção da população mundial que vive em lugares em que a mídia é "não livre" caiu ligeiramente, de 46% para 43%. Por outro lado, a proporção das pessoas que vivem em países classificados como "livres" também caiu, de 29% para 17%. Isso não significa que muitos países regrediram da classificação "livre" para a "parcialmente livre". Na verdade, reflete um crescimento mais rápido da população nos países pobres. A mídia era mais ou menos livre em todos os países ocidentais duas décadas atrás, e ainda é. Leis punitivas por difamação existem no Reino Unido; políticos e jornalistas têm uma relação amigável demais no Japão; e um enorme conflito de interesses confunde os papéis de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro e como maior barão da imprensa na Itália. Mas poucos países pobres são tão livres quanto deveriam ser, embora a maioria esteja caminhando na direção certa. A China é um exemplo. Por um lado, trata-se de uma ditadura terrível. Do outro, ela é menos opressiva hoje do que era sob o governo de Mao Tsé-tung, e isso está refletido na mídia. O número de jornais chineses disparou de 382, em 1980, para 2.119 em 2003, afirma o governo. Críticas diretas ao Partido Comunista ainda são tabu, mas outros comentários são um pouco mais livres. Os jornalistas chineses podem escrever sobre economia, assuntos externos e problemas práticos enfrentados por seus líderes de uma maneira que não seria tolerada 20 anos atrás. No nível local, eles também podem expor a corrupção, mesmo entre membros do PC. Oficialmente, o governo ainda controla toda a mídia, mas o investimento privado deixou de ser proibido em 2003. Ao mesmo tempo, o governo chinês está tentando economizar dinheiro reduzindo os subsídios aos jornais, rádios e redes de TV. Isso os força a atrair anunciantes e leitores (ou espectadores), o que eles podem fazer apenas fornecendo conteúdo que as pessoas achem interessante. Daí a ascensão dos jornais do tipo tablóide na China, cheios de reportagens sobre crimes, brutalidade policial e pecados de celebridades. Daí, também, o aumento do número de jornalistas chineses que são espancados por homens ricos furiosos o suficiente para contratar capangas. Ao se usar o índice mais cru da Freedom House, a impressão que se tem é de que não houve mudança na China: ela continua sendo um país "não livre". Mas ao se usar o índice mais sensível, o país melhora de 89 pontos em 1994 (tão ruim quanto a Guiné Equatorial hoje) para 80 em 2004 (melhor do que a Tunísia). Não é um grande salto, mas afeta 1,3 bilhão de pessoas. Se sustentada, a liberalização paulatina da mídia chinesa será uma bênção. Em muitos países, a principal barreira à liberdade de expressão não é mais a censura. É o dinheiro. O bom jornalismo envolve dinheiro, de modo que os países pobres, especialmente se eles são pequenos, lutam para produzi-lo. Souleymane Diallo, por exemplo, edita dois jornais na Guiné, uma nação pobre com 8 milhões de habitantes. Cada edição é vendida por cerca de R$ 1,40, mas não são muitos os cidadãos do país que podem pagar isso, de modo que as bancas de jornais "alugam" os exemplares por uma fração do preço de capa. "A pessoa leva o jornal para o escritório, lê por meia hora e depois devolve quando terminar", diz Diallo. Cada cópia, afirma ele, é lida por até 30 pessoas. Um orçamento magro afeta a capacidade de Diallo de coletar notícias. Ele tem vários repórteres na capital, Conacri, mas diz que raramente pode enviá-los para outras partes do país para a cobertura de algum acontecimento. Ele já tentou recrutar free-lances em cidades das províncias, mas os caciques políticos locais os cooptaram pagando mais do que o jornal poderia, em troca de uma cobertura "chapa branca". Países pobres populosos, como a Índia ou a Nigéria, normalmente possuem uma classe média grande o suficiente para dar suporte a vários bons jornais. Mas estes são lidos principalmente por aqueles que têm um padrão de vida melhor. Camponeses, mesmo que sejam capazes de ler, raramente estão bem servidos pelos jornais. O rádio, porém, é outra história. O número de estações de rádio independentes está explodindo, enquanto os custos e as barreiras reguladoras caem. A Associação Mundial de Emissoras de Rádio Comunitárias, que tinha 1.200 filiados em 1990, hoje tem 3 mil. Para muitos, o rádio é a única maneira de saber a previsão do tempo ou descobrir os preços que suas colheitas obteriam numa cidade distante. A educação propicia professores que não se atrasam e que não morrem de Aids. A tecnologia das comunicações modernas vem tendo uma "enorme influência no modo como os nigerianos vêem o mundo e a si próprios", diz Ishiekwene, do jornal "Punch". Até há pouco, conseguir que a companhia telefônica, monopólio do Estado, instalasse uma linha podia demorar "três semanas ou uma vida inteira". Graças à melhor tecnologia e a um governo que fez menos que os anteriores para obstruir a imprensa, a obtenção de informações é hoje mais barata e fácil. Quase todos os repórteres nigerianos agora possuem e-mail, e os usam, no mínimo porque é muito mais barato que uma ligação telefônica. A internet permite que eles leiam os jornais estrangeiros de graça e que discutam o quanto eles são ruins. Quando, por exemplo, um jornal americano recentemente publicou um artigo sobre a corrupção entre os dirigentes nigerianos, conselhos de jornais locais instantaneamente emitiram reclamações de que o autor havia sido pouco crítico. A liberdade de expressão dá às pessoas a confiança para que exijam que seus governantes tenham um comportamento digno, e a liberdade de informação torna mais fácil saber quando eles não fazem isso. Nenhum desses ideais pode ser conseguido da noite para o dia. Um nigeriano típico "ainda vê um político como um deus porque ele tem dinheiro", diz Ishiekwene. E, embora o governo tenha começado a publicar as contas das finanças públicas com detalhes sem precedentes, as pessoas não podem perceber facilmente ele faz com o dinheiro, pois muitos membros do governo insistem que essas informações são confidenciais. Em todos os países pobres, as pessoas que vivem em cidades são mais bem informadas, e menos complacentes, do que os habitantes das áreas rurais. Uma favela brasileira não é Harvard, mas seus habitantes têm muito mais conhecimento sobre o mundo moderno do que seus compatriotas que vivem no meio da floresta amazônica. E, na medida em que as pessoas continuarem buscando mais conhecimento, seus governantes terão mais dificuldades em mantê-las "no escuro".