Título: Arcebispo critica aumento em missa no Congresso
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2006, Política, p. A6

Sem quebrar o ar solene da missa de ação de graças que presidia no Congresso Nacional, o arcebispo de Brasília, Dom João Braz de Aviz, leu, durante a homilia, dura crítica aos parlamentares pela tentativa de se auto concederem reajuste salarial de 91%. Também houve farpas ao Poder Judiciário, acusado de tomar decisões a seu favor. Os presidentes do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), assistiam à missa sentados na primeira fila, ao lado das mulheres.

"Como aceitar que um parlamentar brasileiro receba mais de R$ 800 por dia, quando uma boa parte das pessoas que representa é obrigada a viver com R$ 12 por dia? Como aceitar que o Poder Judiciário legisle, em alguns casos, a se favor, sem demonstrar sensibilidade pelo povo, para quem as leis são feitas e interpretadas?", perguntou o arcebispo. E - sempre lendo - continuou: "Atitudes como as que temos visto nestes dias matam o espírito do Natal e apresentam uma ameaça real ao espírito de paz que o Natal anuncia."

Parlamentares, servidores e jornalistas lotavam o Salão Negro. Os olhares se voltaram para Renan e Aldo, que não esboçaram qualquer reação. O arcebispo começou suas críticas dizendo que o Congresso Nacional encerra este período legislativo com vitórias, mas também com uma imagem desgastada. "As últimas pautas, envolvendo também o Poder Judiciário, nos deixaram a sensação de que muitos dos representantes do povo andam preocupados com seus interesses e com os interesses das corporações com as quais estão comprometidos, distantes, porém, do conjunto dos interesses de todo o povo brasileiro", afirmou Dom João Braz, lendo a homilia preparada previamente.

O arcebispo continuou sua linha de raciocínio citando mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial da Paz (1º de janeiro de 2007). Em um trecho lido pelo arcebispo ontem, o Papa diz: "Quem detém maior poder político, tecnológico, econômico, não pode aproveitar disso para violar os direitos dos outros menos favorecidos".

Depois da missa, Aldo e Renan despediram-se do arcebispo e deixaram juntos o Salão Negro do Congresso. Pouco depois, ao abrir uma reunião com líderes partidários para discutir uma solução para a crise, Aldo lembrou o sermão levado. "O bispo acaba de nos fazer uma admoestação. Se há uma Casa sensível à sociedade, é essa", disse.

Segundo Renan, as declarações do arcebispo demonstram que "o Senado é uma Casa aberta a críticas e ao contraditório". Ao ser perguntado sobre o que achou da homilia, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) alegou não ter ouvido essa parte. Já a senadora Heloísa Helena (P-SOL-AL) comemorou. "Adorei", disse.

Dom João Braz, depois da missa, cercado pela imprensa, negou qualquer constrangimento por criticar deputados e senadores dentro do Congresso. "Me senti muito à vontade para falar o que eu falei. Isso é a democracia, é a liberdade nossa que devemos fazer crescer. Foi muito consciente o que eu disse. Por isso que eu quis escrever", explicou.

A crítica à atitude dos parlamentares é uma orientação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O arcebispo afirmou manifestar o sentimento do povo, que acredita ser de revolta com a tentativa de reajuste de 91%. "A pena foi que essa proposta de aumento começou pelo Judiciário. Se isso for levado a sério até o último vereador do Brasil, nós vamos ter um bom desfalque, desnecessário", alertou.