Título: Contratar nativo é prática comum
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Empresas &, p. B3

Os modelos de negócio podem variar, mas um ponto une as empresas brasileiras que estão se lançando no exterior. Todas concordam que, para ser bem-sucedido, é preciso contratar um executivo do país escolhido para comandar a operação. A concepção predominante é de que só um nativo é capaz de vencer a desconfiança natural dos conterrâneos frente a uma empresa desconhecida e driblar riscos culturais potencialmente fatais a um estrangeiro. É o antigo ditado virado às avessas: quem faz milagre, agora, é o "santo de casa". A CPM, especializada em serviços de tecnologia, acaba de nomear Dick Lawrence para comandar seus negócios nos Estados Unidos, a partir de Nova York. Com passagens por gigantes globais como a IBM, Lawrence - que já morou quase oito anos no Brasil - tem o perfil procurado para este tipo de tarefa: é americano, mas fala português fluentemente; sabe negociar sob as regras mais rígidas dos países europeus e dos EUA, mas está familiarizado com a forma de pensar dos brasileiros. Essa dualidade é considerada importante na construção da imagem de seriedade perseguida pelas companhias brasileiras. A CPM planeja trazer vários grupos de potenciais clientes ao Brasil este ano, mas sob cuidados especiais. "Por exemplo, vamos evitar o Carnaval. A festa é ótima, mas faz parte da imagem que queremos mudar", diz Lawrence. "Da mesma forma, nosso pessoal de vendas está proibido de falar sobre futebol com os clientes." A CPM quer reverter uma imagem formada há décadas, mas que resiste: a de que, abaixo do Equador, prevalece uma certa indolência. Trata-se de um estereótipo que muitos empresários brasileiros admitem ter sentido, mesmo que de maneira sutil, na hora de se apresentar no exterior. "Qualquer pessoa que passa alguns dias na América Latina sabe que se trabalha muito nos países da região", diz Lawrence. O que falta é uma noção mais clara de como gerenciar o tempo, opina ele. Nos EUA, depois de dar pesos diferentes aos problemas encontrados, os gerentes costumam especificar o tempo que será gasto com eles, de acordo com a ordem de prioridade. O que ocorre no Brasil, compara Lawrence, é que os executivos costumam concentrar-se exaustivamente em um problema até superá-lo. Nesse meio tempo, porém, perdem oportunidades de negócio. Em alguns casos, a participação do profissional estrangeiro é um dos primeiros passos na expansão internacional das empresas brasileiras. Um exemplo é Michael Sienkiewicz - um sueco criado na Espanha, com anos de experiência nos Estados Unidos. Sienkiewicz era executivo-chefe da Elo, uma multinacional especializada em telas sensíveis a toque, até decidir alçar vôo próprio. Na empreitada, uniu-se aos sócios da Waytec, que fabrica monitores na Bahia. A união deu origem à Touch Easy, na Califórnia. A Linx, dona de um software de gestão voltado para a indústria têxtil - tanto a área industrial como a de varejo -, representava no Brasil os produtos da espanhola Investrônica, além de oferecer tecnologia própria. Essa aliança acabou fazendo com que a empresa passasse a participar de feiras internacionais e conhecesse outros distribuidores da Investrônica. Numa dessas ocasiões, a Invescorte, que representava a companhia espanhola em Portugal, se interessou pela tecnologia da Linx e passou a representar a marca naquele país. "O pessoal da Espanha abriu os olhos e decidiu fazer o mesmo", conta Renato Muller, diretor de operações internacionais do grupo Linx. Hoje, o produto é vendido na Espanha pela Mostoles, na Itália pela Lectra (que adquiriu a Investrônica) e na Colômbia pela Consensus. A Linx não pretende assumir participação societária nos parceiros, nem tem planos imediatos de abrir subsidiárias próprias. "A vantagem é que, se eles vendem, nós também ganhamos. Se não vendem, não temos custos associados", diz Muller. Na RM Sistemas, a trajetória foi semelhante. A empresa chegou a Portugal depois que um antigo cliente lusitano se desfez de seu negócio no Brasil - um supermercado - e criou uma empresa, a RMSI, para vender exclusivamente o software brasileiro em seu país de origem. Nos dois escritórios, em Lisboa e Anadia (perto da cidade do Porto), só há portugueses, diz Mauro Tunes Júnior, um dos fundadores da RM. A empresa brasileira não tem participação acionária no negócio. Já no México, a operação em fase de montagem é própria. "Vamos iniciar o projeto piloto no país no segundo semestre", diz Tunes. A Stefanini adota um modelo misto: envia executivos brasileiros para transmitir a cultura da empresa, mas contrata a maioria da equipe no mercado local. "Nos EUA, o diretor é brasileiro e os gerentes, americanos", diz Marco Stefanini, presidente da empresa. Ao todo, já são 220 pessoas trabalhando nas oito filiais, um contingente expressivo perto das demais companhias, cujas equipes internacionais costumam ser reduzidas. Incluindo os profissionais que trabalham no Brasil, mas produzem para o exterior, o número é ainda maior: quase 400 pessoas. (JLR)