Título: Exportação leva à criação de pequenas múltis de TI
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Empresas &, p. B3

Não é de hoje que as companhias brasileiras de tecnologia da informação (TI) tentam vender seus produtos e serviços no exterior. De uns tempos para cá, porém, muitas delas perceberam que não não basta nomear um distribuidor internacional para fazer o trabalho dar certo. Em vez disso, decidiram avançar no esforço de exportação e conhecer mais de perto esses mercados. O resultado é que cada vez mais empresas estão abrindo subsidiárias estrangeiras ou firmando parcerias internacionais que vão bem além dos acordos convencionais de distribuição. A maioria das iniciativas ainda é recente e vem de companhias que estão bem longe, em receita e lucro, dos conglomerados globais do setor, como IBM e Microsoft, mas o movimento atual aponta para a formação do que poderá ser a primeira geração de multinacionais brasileiras de TI. A atividade mais intensa é no segmento de software. A gaúcha Politec abriu uma filial em Washington e planeja chegar a Tóquio neste semestre. China e França são as próximas na lista. A mineira RM Sistemas fixou-se em Portugal e pretende saltar para a vizinha Espanha até o fim do ano ou no início de 2006. Neste momento, instala um escritório no México. A Stefanini começou essa jornada em 1996 e já reúne oito operações internacionais diretas - Argentina, Chile, Estados Unidos, México, Peru, Colômbia, Espanha e Portugal. A empresa também tem clientes em Angola, mas eles são atendidos pela equipe do Rio de Janeiro. "Neste ano, vamos abrir filiais em dois países europeus e acrescentar dois escritórios aos existentes nos EUA", anuncia Marco Stefanini, presidente da consultoria. Outros segmentos acompanham a tendência. A Waytec, que produz monitores em Ilhéus (BA), é a controladora da americana Touch Easy, instalada em pleno Vale do Silício, na Califórnia, de onde já fechou contratos para vender telas sensíveis a toque a clientes nos EUA, na Polônia, na Espanha, no México e na China. "Em vez de ser uma empresa brasileira que exporta para os Estados Unidos, abrimos uma companhia americana que produz no Brasil", diz Moisés Aleixo Nunes, sócio-diretor da empresa. No mercado de software, há dois modelos distintos de atuação. O primeiro é o de produtos de prateleira. São programas feitos no Brasil e adaptados a outros países, podendo levar a marca da companhia original ou a do representante internacional. A RM Sistemas e a Linx, dona de um software de gestão para a cadeia têxtil, atuam sob este formato. O outro é o desenvolvimento de programas sob medida, encomendados pelo cliente. É o chamado serviço offshore, que se transformou em um fenômeno global. Nesse caso, o fator decisivo na internacionalização das empresas brasileiras é a corrida desenfreada das grandes companhias para desenvolver software em países onde a mão-de-obra é mais barata. CPM, Politec e Stefanini atuam neste mercado. A alma do negócio são as fábricas de software, uma espécie de linha de produção intelectual onde programadores e engenheiros desenvolvem os programas. Só a Politec tem 11 centros no país. Até pouquíssimo tempo atrás, este era um mercado no qual os indianos pareciam imbatíveis. Lentamente, porém, esse cenário está mudando. "Eu não diria que há insatisfação com a Índia, mas um alto executivo comentou outro dia que não pode mais dizer à diretoria da empresa que sua única alternativa em software são os indianos", conta o americano Dick Lawrence, executivo-chefe da CPM nos EUA. "As coisas estão melhorando para o Brasil." Até o que parecia vantagem da Índia tem sido revertido em favor dos brasileiros. Tome-se o caso do fuso horário, inicialmente considerado um trunfo porque permitia uma atividade sem interrupções: quando os indianos trabalhavam, os americanos dormiam e vice-versa. Agora, esta posição está sendo revista. "As duas partes precisam conversar entre si, principalmente no caso dos negócios mais sofisticados, o que fica difícil com o fuso diferente", explica Humberto Luiz Ribeiro, diretor da Politec. Na prática, ninguém gosta de receber telefonemas no meio da noite. A ausência de vôos diretos entre os EUA e a Índia é outro ponto a favor do Brasil, citam os executivos do setor, além das próprias vantagens brasileiras, como a flexibilidade dos profissionais do país. Nada disso, porém, garante que o Brasil vá se tornar a bola da vez nos serviços offshore. Falta um componente essencial ao sucesso: a criação de uma marca forte, que identifique o país como um pólo consistente de geração de tecnologia. "O Brasil é invisível no cenário internacional", reconhece Lawrence, da CPM. "Em geral, não se sabe nada sobre a economia brasileira e muito menos sobre a capacidade tecnológica do país." Em outubro, durante um evento internacional na Flórida, um grupo de empresas brasileiras distribuiu 500 convites para uma palestra sobre o papel do Brasil nos serviços offshore, conta Lawrence. "Só 17 executivos apareceram." Para reverter esse quadro, é consenso entre os empresários que governo e empresas precisam agir juntos, a partir de uma estratégia internacional de marketing e estímulo aos negócios. "Esse trabalho está engatinhando e tem de ser viabilizado", avalia Stefanini. O Brasil exporta cerca de US$ 100 milhões por ano em software. A meta, definida pelo governo federal no ano passado, é elevar as vendas para US$ 2 bilhões até o ano que vem. A comparação com a Índia mostra como o país está atrás: em 12 meses até março, os indianos prevêem exportar US$ 16,3 bilhões. Há cerca de 6,5 mil empresas de software no Brasil, mas a maioria é pequena e não tem condições de exportar. Quem consegue ir para o exterior, têm aprendido que administrar operações estrangeiras não é nada fácil. O custo financeiro, por exemplo, é alto. A RM Sistemas gastou US$ 250 mil para adaptar seu software à legislação portuguesa e deve investir o mesmo no México. O retorno ainda é discreto. As vendas em Portugal devem ficar entre 1% e 2% do faturamento total, estima Mauro Tunes Júnior, sócio da companhia. "Trata-se de uma operação de risco, na qual não se pode errar", diz ele. Na maioria das outras empresas, o cenário é parecido. Na Politec, a receita externa alcançou R$ 5,7 milhões no ano passado - uma participação pequena perto do faturamento total de R$ 420 milhões - e acabou ficando como reinvestimento na subsidiária. Na Linx, a aposta é que os negócios internacionais chegarão a 15% da receita este ano. Diante dessas previsões, a pergunta que se faz é se tanto esforço vale a pena. Os empresários não têm dúvidas disso, mesmo reconhecendo que o caminho é difícil. Na Stefanini, a maioria dos negócios no exterior está perto do equilíbrio ou gera um lucro pequeno, mas ocupa espaço cada vez maior: os contratos internacionais representaram 15% da receita total em 2004, de R$ 210 milhões, e devem chegar a 22% este ano. Outro caso é o da Waytec. Em 2005, a previsão da companhia é de que quase um terço do faturamento projetado - de US$ 57 milhões - virá da controlada Touch Easy. Além do reforço na receita, conquistar um cliente no exterior pode representar uma vitrine privilegiada, com poder de multiplicar os negócios no futuro. Que o diga a Politec: a empresa venceu uma concorrência para fornecer um software de reconhecimento da íris para o Departamento de Estado americano. Hoje, a tecnologia funciona em 70 embaixadas americanas e no FBI - uma propaganda que não tem preço.