Título: Desgaste de imagem é desafio do novo Congresso
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2006, Opinião, p. A10

Os protestos generalizados contra a tentativa dos parlamentares de quase dobrar seus vencimentos no apagar das luzes da legislatura apenas reiteram uma realidade que ficou muito clara no período eleitoral: o Legislativo está num processo contínuo de desgaste popular e, simplesmente ignorar isso, apenas aumenta a deterioração de sua imagem. Termina essa legislatura de maneira melancólica. A próxima, que inicia os trabalhos em fevereiro e foi muito afetada por esse processo, terá uma missão fundamental, a de resgatar a dignidade da instituição que é o pilar de uma democracia.

Não será, contudo, um processo fácil. O descrédito do Legislativo, contraditoriamente, conseguiu excluir vários dos seus representantes ideológicos e deu força eleitoral ao representante personalista, que se sentirá dono de seu próprio mandato e com poucas responsabilidades com o eleitor. Na verdade, essa foi uma resposta do eleitor ideológico à igualmente deteriorada estrutura partidária, que ele considera que deixou de representá-lo.

Assim, a responsabilidade pela moralização do Legislativo recai principalmente sobre os partidos políticos, que estão na obrigação de dar uma resposta aos grupos que teoricamente representa e procurar caminhos para se aproximar de sua base social.

Fechadas as urnas, parece que arrefeceu a discussão sobre reforma política. É certo que esse é um debate intrincado e não se podem depositar todas as esperanças de dar organicidade aos partidos, e fazê-los realmente representar o eleitor, com um simples pacote de leis: o sistema político amadurece ou se deteriora independentemente delas, e sofre desgastes quando o seu amadurecimento não tem a mesma velocidade do desenvolvimento da sociedade. Mas é fundamental que se pense a sério na fidelidade partidária. Sem esse instituto, será impossível a qualquer direção partidária dar alguma coesão ideológica à sua agremiação política. E, sem coesão interna, é bobagem fazer discurso ético, que se torna um mero discurso moral, sem efeito prático. Da coesão depende o controle sobre cada membro do partido; dela dependem que as negociações políticas sejam feitas apenas a nível institucional. E disso depende a moralização do Legislativo: que os partidos tenham uma organicidade, e que do embate institucional com outras legendas seja dada a organicidade do Congresso.

Talvez pela tradição presidencialista do país, existe um mito de que apenas as ações do Executivo definem a qualidade das relações entre governo e partido e o ritmo e o perfil do Legislativo. Não é assim. No presidencialismo, de fato, o chefe de governo tem um poder muito maior de definição da agenda de debates, mas a dinâmica partidária é igualmente definidora das relações entre os poderes. O poder de veto que o Legislativo detém, somado à pouca coesão partidária, é que dá ao parlamentar isolado um poder de negociação nem sempre legítimo - e, em circunstâncias extremas, quase nunca legítimo.

Tornar as relações entre os poderes estritamente institucionais é, portanto, um papel que cabe igualmente aos partidos políticos. Mas, se os governos pós-ditadura tivessem também exercido a função de recusar acordos fora do âmbito institucional, isto já teria obrigado o quadro partidário a se renovar e abandonar as velhas práticas arraigadas na república brasileira. E se ambos tivessem encarado com alguma coragem a necessidade de reincluir na vida política a fidelidade partidária, o processo de institucionalização das relações políticas já estaria muito mais adiantado. Na verdade, os governantes sempre acharam mais fácil lidar com a negociação de varejo, que não comporta compromissos nem concessões programáticas, do que encarar partidos mais sólidos. Foi um erro que os presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva cometeram. O escândalo do mensalão - e, antes dele, o escândalo do Orçamento, o escândalo das sanguessugas etc - mostra que essa forma de fazer política tem limites estreitos e impõe ao Legislativo um desgaste permanente. É preciso, nessas circunstâncias, muito mais do que um discurso moral. É necessária a ação moral: cortar o mal pela raiz e ter a coragem de romper com os velhos vícios.