Título: Lugo quer revisar o Tratado de Itaipu e cobrar mais do Brasil
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2006, Especial, p. A12

Se o grupo que apóia monsenhor Fernando Lugo tomar o poder no Paraguai, o Brasil terá pela frente com um novo problema, do mesmo tipo trazido pelo presidente boliviano Evo Morales, com a nacionalização do gás. É que uma das principais plataformas de governo de Lugo é a revisão do Tratado de Itaipu, assinado em abril de 1973 pelos ditadores Alfredo Stroessner, do Paraguai, e Emílio Garrastazu Médici, do Brasil. O tratado deu as bases para a construção da hidrelétrica binacional de Itaipu, a maior do mundo e responsável pelo abastecimento de grande parte da energia consumida na região Sudeste brasileira.

"Eu considero que o Tratado de Itaipu deu condições desfavoráveis ao Paraguai", disse Lugo em entrevista ao Valor. O problema já não é mais a dívida de US$ 19 bilhões do país com a Eletrobrás, que já está totalmente refinanciada. Lugo tem em mãos um estudo produzido dentro do sindicato dos trabalhadores de Itaipu que mostra que seu país perde US$ 1,8 bilhão por ano vendendo a energia que sobra para o Brasil.

O cálculo é, resumidamente, o seguinte: Itaipu tem capacidade para gerar 14 mil MW de energia, volume que é dividido meio a meio entre os dois países. Como o Paraguai consome apenas 15% de sua metade, sobra muita energia que, segundo o que reza o tratado, deve ser revendida exclusivamente para o Brasil.

Além disso, o Brasil paga apenas US$ 5 para cada MW dessa energia energia adicional. Isso representa um total de US$ 170 milhões, que este ano, depois de uma negociação entre os dois governos, subiu para US$ 270 milhões. Mas o estudo que subsidia a reivindicação da oposição paraguaia mostra que a cotação média da energia elétrica no Brasil é de US$ 40. Portanto, o Brasil faz uma enorme economia.

Se o Brasil pagasse apenas metade do valor real de mercado, ou seja, US$ 20, o Paraguai poderia arrecadar US$ 1,8 bilhão, ou seja, 620% acima do que arrecada atualmente, segundo esse estudo. Se o mesmo tratamento fosse dado à Argentina, que divide com o Paraguai a geração de energia da hidrelétrica de Yacyretá, o valor arrecadado com a venda de energia hidrelétrica para os dois grandes do Mercosul subiria para US$ 3,5 bilhões, ou metade do orçamento anual do país.

"Se bem que seja uma entidade binacional, creio que a venda da sobra de energia não se pode dar a preços de custo como agora o Brasil está comprando, mas a preços de mercado. É um tema que pode ajudar em uma grande transformação econômica no Paraguai", afirma Monsenhor Lugo. Para ele, se essas condições fossem repactuadas, seu país deixaria de ser agrário e pecuarista para ser um país hidrelétrico. "Sem dúvida, a energia hidrelétrica é nossa maior riqueza."

O virtual candidato pretende apelar para uma das teses mais difundidas pelo presidente Lula, a de que o Brasil não vai avançar em seu crescimento sobre a miséria dos países que o rodeiam.

Atento ao discurso da oposição que ameaça sua própria candidatura, o presidente Nicanor Duarte Frutos levou ao chanceler Celso Amorim uma reivindicação de renegociação do Tratado de Itaipu para revisar os preços da energia comprada pelo Brasil. Foi durante a cúpula de Cochabamba, na Bolívia, no início de dezembro.

Mas a proposta foi rechaçada logo de cara. Amorim declarou: "Não podemos reabrir um debate para renegociar o tratado. Não podemos mudar um tratado firmado em 1973, apenas porque acreditamos hoje que a realidade é outra. O que ocorreria se resolvêssemos reabrir todos os tratados internacionais vigentes?"

Com a Argentina, o governo de Duarte fechou um acordo em setembro para trocar a dívida do país com a Entidade Binacional Yacyretá, de US$ 11 bilhões, por fornecimento de energia equivalente, algo como 360 mil GWh pelos próximos 40 anos. (JR)