Título: País começa hoje a tentar refazer sua reputação
Autor: Marcia Carmo
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Finanças, p. C8

A troca de títulos da dívida argentina em moratória começa hoje com diagnóstico otimista dos principais analistas do mercado financeiro do país, apesar da rejeição declarada da Itália e dos investidores reunidos no Comitê Global de Credores à proposta anunciada na quarta-feira pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna. Um dia depois do anúncio, os mais pessimistas apostavam num índice de aceitação de cerca de 60%, e os mais otimistas de 80%. Serão seis semanas de expectativas até que termine o prazo para adesão à oferta, em 25 de fevereiro. Mas já reina o entendimento de que a disputa judicial será inglória, porque a Argentina não tem bens a serem arrestados no exterior. Além disso, o perfil da dívida dos emergentes (principalmente o Brasil) e a queda nas taxas de juros de médio e longo prazos dos Estados Unidos contribuem para melhorar os valores atuais da oferta argentina. Acredita-se ainda que muitos acabarão tolerando a oferta do governo, por absoluto cansaço. A moratória foi declarada há mais de três anos, em dezembro de 2001. "A estimativa de aceitação virou um verdadeiro cassino, mas eu acredito que essa adesão vai superar os 80%", disse o ex-presidente do Banco Central, Mario Blejer. Ele lembrou que a Argentina começou essa reestruturação da dívida de US$ 81,8 bilhões com pé direito ao garantir aprovação das Administradoras dos Fundos de Pensão e de Aposentadorias (AFJPs), dos bancos e das companhias de seguro instaladas na Argentina (juntos, eles formam 37% dos credores). Outro ex-presidente do Banco Central, Aldo Pignanelli, disse às emissoras de rádio argentinas que essa adesão, dificilmente, passaria dos 65%. Seja como for, seria superada a marca de 50% do ministro Roberto Lavagna - "Com isso me dou por satisfeito", disse ele na quarta. Na opinião do ex-secretário de Finanças, Daniel Marx, esse foi um patamar tímido, citado para não gerar frustrações políticas quando o resultado final da troca for divulgado, em 18 de março. O economista Eduardo Gilardone, do Banco Itaú, ressaltou que existem 10% "de credores ocultos", que poderão ser o efeito "surpresa" dessa reestruturação. "Só sabemos que eles estão no exterior. Mas eles não fazem parte de nenhum grupo ou país especificamente e ainda não disseram como pretendem agir." Gilardone lembrou que o mercado já dava "por descontado" o anúncio da proposta, que desde ontem começou a ser divulgada pessoalmente pelo secretário de Finanças, Guillermo Nielsen, em Miami. Ele estará, segunda-feira, em Roma, na Itália (certamente, a escala mais difícil) e dia 27 em Nova York. "Que fique claro que essa é a nossa última proposta. A Argentina não fará outra. Estamos dando um passo para reconquistar a confiança internacional", disse. Turnê paralela pelas principais praças financeiras também será realizada pelo Comitê Global, que garante reunir US$ 39 bilhões do total da dívida em moratória. A informação foi dada logo depois que o ministro da Economia da Itália, Domenico Siniscalco, chamou de "pobre e egoísta" a oferta argentina. Para ele, o país "não negocia de boa-fé". A Itália, como destacou o advogado argentino Rodrigo Olivares, especialista em reestruturação de dívidas, que vive em Londres, representa 15% do total de credores. Os japoneses, destacou, que rejeitaram a proposta antes mesmo de sua divulgação, outros 3%. "Por isso, matematicamente, é impossível chegar aos sonhados 80%. É mais realista prever entre 65% e 75%", ponderou. A partir de agora, como contou o economista do Itaú, o mercado financeiro estará de olho em pelo menos dois fatos: a conjuntura internacional (leia-se risco-país do Brasil e taxas americanas), que afeta diretamente o perfil da dívida emitida pós-default (entre os quais o Bônus Boden 2012, cujo preço subiu nos últimos dias) e os três novos títulos que vão substituir os 152 tipos de papéis da Argentina em moratória. "Todos estes fatores vão contribuir para adesão de bancos, por exemplo, e os que não aderirem nas primeiras três semanas podem acabar concordando com a proposta por efeito-contágio", disse Eduardo Gilardone. Além da Alemanha, foi divulgado ontem que Espanha, Luxemburgo e Estados Unidos já teriam aprovado a oferta de Lavagna. Seja qual for o resultado, dele dependerá a relação da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja revisão do acordo em vigor está suspensa desde agosto, em uma trajetória que não promete ser simples para a reconquista dos investidores. A agência de classificação de risco de crédito Fitch rebaixou ainda mais ontem a nota atribuída aos bônus da Argentina que podem entrar na reestruturação. A nota caiu de "DD" para "D". A Fitch sustentou ainda que os novos bônus resultantes da troca podem ser classificados em um rating fora de escala de default, provavelmente na categoria "CCC".