Título: Disposições comuns na nova lei falimentar
Autor: José Fernando Mandel e Julio Mandel
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Sem nenhuma dúvida, a nova legislação falimentar, cuja implantação já se fazia necessária há muitos anos, tem dispositivos revolucionários e modernos. Com essa mesma certeza afirmamos que várias novidades terão muita dificuldade de implantação em virtude de diversos fatores, entre eles a falta de uma Justiça aparelhada e especializada. Lamentamos também que, sob o pretexto de baratear o crédito, direitos dos empregados foram tolhidos de forma acintosa, enquanto privilégios fiscais foram mantidos e, em alguns casos, até mesmo ampliados. Também sempre defendemos que a Lei de Falências deveria ser alterada aos poucos, retirando-se da lei falimentar de 1945 os dispositivos ultrapassados e adotando-se as jurisprudências consagradas por nossos tribunais. Essa técnica poderia ter evitado que o projeto original da nova Lei de Falências fosse discutido por 12 anos antes de sua aprovação. E poderia ter tido o condão de afastar tantas pressões e jogos de interesses que acabam por minar a boa técnica legislativa e transformar bons projetos em colcha de retalhos quando são aprovados. O capítulo que trata das disposições comuns à falência e à recuperação de empresas é um exemplo de má técnica legislativa, talvez gerada pela necessidade de acomodação de interesses de diversos grupos, provavelmente para que a lei pudesse ser aprovada. Explicamos: não há motivo para haver um capítulo específico sobre disposições comuns entre os dois institutos, após as alterações efetuadas no projeto original, se há centenas de outros artigos disciplinado-os separadamente e outros capítulos específicos que tratam de disposições processuais comuns. Um exemplo disso é o dispositivo da nova legislação que trata da prevenção, onde o parágrafo 8º do artigo 6º dispõe que a distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial da empresa previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência. Esse princípio poderia estar disciplinado em um artigo próprio, em outro capítulo, e não como o último parágrafo de um artigo que trata de outros temas.

Lutemos para que o fisco faça sua parte e abra mão de seus privilégios, pois é o maior interessado na recuperação da empresa

Contudo, o maior exemplo deste equívoco é a questão da suspensão das execuções, que nada tem em comum entre os dois institutos. Na falência, o crédito já constituído não deve ser executado, mas sim habilitado nos autos - uma vez que a falência é a chamada execução coletiva, não havendo espaço para execuções individuais -, enquanto na recuperação a execução de um crédito é suspensa por seis meses. Ou seja, qual é a disposição comum? Cria-se um caput comum e passa-se a criar vários parágrafos apontando as diferenças. Finalmente - e aparentemente esquecida no fim do mesmo artigo 6º, no parágrafo 7º - está disposto que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. Há uma promessa de que o devedor poderá se socorrer, para suas dívidas fiscais, de uma espécie de "Refis" específico (o que ainda não existe). Além deste dispositivo estar no capítulo errado, está criada uma proteção injustificável para a Fazenda pública, proteção essa nociva aos interesses da lei, que é a manutenção da unidade produtiva. Isso porque, na prática, a lei exclui os créditos fiscais da recuperação judicial (o que não acontece com nenhum outro credor), quando se sabe que uma das maiores causas da ruína das empresas é justamente a alta carga tributária, e que não há empresas em dificuldades financeiras que estejam com todos os seus impostos em dia. Prosseguindo-se a execução fiscal e penhorando-se os bens da empresa devedora durante o prazo de negociação do plano de recuperação com os demais credores, o plano apresentado correrá riscos de ser inviabilizado. Soma-se a isso o previsto no artigo 57 da nova Lei de Falências, que obriga a empresa em recuperação a apresentar certidões negativas fiscais, o que fará a legislação nascer morta se a exigência não for abrandada pela jurisprudência, como acontecia na legislação de 1945. Lutemos para que o fisco faça sua parte, abrindo mão de seus privilégios, pois em tese a Fazenda/governo são os maiores interessados na recuperação de uma unidade produtiva e devem oferecer a maior dose de sacrifício para apoiar sua recuperação, e não o contrário. Na atual lei, houve uma preferência por sacrificar o mais fraco, o empregado.