Título: Créditos de carbono já chegam à Justiça
Autor: Goulart, Josette
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Os produtores de energia proprietários de usinas incluídas no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) começam a se movimentar para garantir na Justiça o direito ao crédito de carbono gerado com Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) criados pelas empresas. A disputa nos bastidores já vem sendo travada desde 2004, mas os argumentos para levar o tema à Justiça surgiram com o Decreto nº 5.882, de agosto deste ano, que diz, entre outras coisas, que mesmo aqueles produtores que tiveram benefícios com a geração de créditos de carbono anteriores ao decreto terão que repassar os direitos à Eletrobrás. Isso significará uma redução do preço da energia pago pela estatal a estes produtores.

O advogado Vladimir Abreu, do escritório Tozzini, Freire, diz que os produtores de energia investiram nos programas para gerar créditos de carbono, venderam esses créditos e terão, agora, prejuízo se tiverem que repassar esses benefícios para a conta Proinfa. Abreu diz que os produtores já estão se movimentando e ainda estão acertando detalhes para decidir se entram com uma ação contestando o decreto diretamente no Supremo Tribunal Federal (STF) ou se ingressam na Justiça de primeira instância. Há riscos de levar a discussão ao Supremo de forma precoce e o prazo para o ingresso de uma ação é somente até o dia 29 de dezembro, que é o prazo para se contestar a legalidade do decreto editado em agosto.

A legalidade será questionada sob o argumento de ter sido um decreto a regular parte do mercado de carbono relacionado à geração de energia. Segundo Abreu, isso deveria ser feito por lei. A lei do Proinfa, de 2002, não traz previsão legal sobre a destinação dos recursos obtidos com os créditos de carbono. Ela surgiu para incentivar, no país, a produção de energia com fontes alternativas como biomassa (bagaço de cana, cacavo de madeira e casca de arroz), energia eólica e também instalação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) que impactam menos o meio ambiente. Segundo informações de mercado, na consulta pública feita antes da lei, ainda em 2002, ficou acertado entre as empresas e a Eletrobrás que já de início os pequenos produtores receberiam mais pela energia gerada e em troca repassariam os benefícios dos créditos de carbono. Mas esse acerto não foi registrado em documentos e abriu margem, agora, a todo tipo de questionamento.

Mas no Decreto nº 5.025, de 2004, veio a primeira previsão de que eventuais benefícios com MDLs seriam repassados à conta Proinfa, administrada pela Eletrobrás. Esse decreto, segundo o advogado Marcus Vinícius Pulino, do escritório Levy & Salomão, não dizia respeito à titularidade dos créditos de carbono. Em seu entendimento, determinava apenas que eventuais benefícios que a própria Eletrobrás auferisse com a venda de créditos de carbono seriam repassados à conta Proinfa. Os recursos dessa conta são usados pela estatal para que ela possa pagar mais pela energia, como forma de subsídio, já que essas usinas são mais caras por usarem fontes alternativas.

Na tese de Pulino, como não havia determinação de titularidade, não pode agora a Eletrobrás querer expropriar esses direitos. Abreu, do Tozzini, Freire, diz que a própria energia hoje já não está com preços tão atrativos para esses produtores. Mas os preços iniciais com parte dos produtores foram firmados ainda em 2002 em contratos de 20 anos. O novo decreto dá à Eletrobrás ainda novas funções, como a própria preparação e validação de documentos de concepção de projeto, registro, monitoramento e certificação de reduções de emissões, além da comercialização dos créditos de carbono. Abreu questiona se a estatal terá cacife para bancar esses projetos, que são caros e complexos.

A advogada Roberta Leonhardt, do escritório Machado, Meyer, diz que a instrução aos clientes já em em 2004 era a de que as empresas não elaborassem projetos porque a Eletrobrás iria reivindicar os benefícios. Mas agora há várias empresas procurando o escritório para entrar com ações. A Eletrobrás, procurada pelo Valor, não se manifestou oficialmente sobre o tema.