Título: Governadores unem-se para negociar com Lula
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2006, Política, p. A7

Após 22 anos da reunião que viabilizou operacionalmente a campanha das Diretas Já, os quatro governadores do Sudeste voltaram a formar uma frente conjunta, desta vez para negociar uma pauta de interesses administrativos comuns com o governo federal. Há entre os quatro Estados também uma agenda política, que não será exposta com clareza, "para uma sucessão futura que está em aberto", a se tornar mais nítida com os desdobramentos das reuniões.

Ficou acertado que os quatro terão uma relação "pragmática" com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os governadores eleitos de São Paulo, José Serra (PSDB), e do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e os reeleitos de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), e do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), convivem bem com Lula. "Se depender dos quatro, será uma convivência fraterna. Como o ponto futuro está aberto (a sucessão de Lula), para fazer um projeto é mais fácil ainda", disse um dos presentes à reunião, realizada sexta-feira passada, no Rio. "Todo mundo que pensa sabe disso", afirmou.

Como não há a menor intenção dos governadores de confronto com Lula, pelo menos no caso daqueles atualmente no PSDB, há um movimento para eleger o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a presidência do PSDB. Ele seria o contraponto ao governo petista - o que os governadores não pretendem fazer -, mas também um sinal de que Serra e Aécio podem chegar a um entendimento em relação às eleições de 2010. Os dois são os potenciais candidatos tucanos para suceder Lula.

Serra e Aécio saíram da reunião e foram tomar chá e cafezinho em uma livraria. Mas o clima já era bom entre os dois na reunião dos governadores do Sudeste. "Eu acho que está certa essa idéia, essa tendência que é não bater de frente", disse um dos governadores sobre a disputa Aécio-Serra no PSDB. O movimento para colocar FHC na presidência do partido ganhou força depois que Tasso Jereissati, atual presidente da sigla, disse que se sentiria moralmente obrigado a apoiar Ciro Gomes (PSB-CE), se ele for candidato à Presidência.

Os governadores avaliam que as conversas entre eles serão facilitadas, apesar de projetos políticos distintos, devido à interação que existe entre os quatro, que já estiveram juntos no PMDB e no PSDB e são amigos de longa data. "Isso vai continuar, só tem motivo para continuar", disse um deles. Os quatro Estados representam 60% do PIB nacional e reúnem no Congresso uma bancada de 179 deputados (maior que a da oposição), que deve tentar atuar em conjunto na defesa dos interesses comuns do Sudeste. O deputado Renato Casagrande, eleito senador pelo Espírito Santo, já começa a articular um movimento no Senado - depois tentará cooptar também a bancada de deputados na Câmara.

Para se ter idéia do poder de fogo dos Estados do Sudeste, em seu último encontro, realizado em 1984, foi viabilizada operacionalmente (liberação de funcionários e transporte nas datas dos comícios) a campanha das Diretas Já, talvez o maior movimento popular ocorrido no país desde que foram restabelecidas eleições diretas para governador de Estado (1982). À época, participaram da reunião os governadores Franco Montoro (SP), Leonel Brizola (RJ), Tancredo Neves (MG) e Gerson Camata (ES), todos eleitos pelos partidos da oposição.

Da conversa dos novos governadores, na semana passada, saiu uma agenda administrativa: a criação de um gabinete integrado de segurança entre os quatro estados, a reivindicação da estadualização dos portos de Vitória, São Paulo e Rio (Minas é usuário dos três) e a concessão de rodovias. Essa é a agenda explícita. Mas os governadores querem influir no governo Lula para a criação de regras mais estáveis, um marco regulatório melhor a fim de atrair mais investimento privado significativo para a área de infra-estrutura.

São Paulo, Rio e Espírito Santo reivindicam a estadualização da administração dos portos. No caso da BR-101 o que Espírito Santo e Rio propõem é a concessão. Segundo os governadores, não há outro jeito, segundo argumentam, porque o governo federal nuca terá dinheiro para bancar as obras. A BR-101 é vital para o Rio e e para o Espírito Santo todo. A BR-262 é vital para o Espírito Santo, para Minas Gerais e até para o interior do país.

O importante, segundo os governadores do Sudeste, é que eles agora estão se reunindo em torno de uma agenda comum, uma tradição da região Norte que recentemente passou a ser seguida também pelo Centro-Oeste. Eles apostam na criação do Gabinete Integrado de Segurança Pública. A idéia é mais à frente chamar também o governo federal a participar - proposta tentada há três anos, mas que não deu certo, sobretudo por causa do Rio (administrado pelo casal Garotinho) e à resistência de São Paulo à participação maior da área federal.