Título: Cobrança do uso da água financia saneamento
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2006, Brasil, p. A3

A política de cobrança pelo uso da água - até agora adotada em duas bacias federais e com a terceira planejada para 2007 - está sendo eficiente para alavancar recursos e direcioná-los a projetos de saneamento, mas ainda apresenta resultados tímidos na racionalização do uso da água. Os recursos arrecadados financiaram ou estão financiando 46 projetos de tratamento de esgoto - 30 na bacia do Paraíba do Sul (onde a cobrança foi iniciada em 2003) e 16 na do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (instituída este ano). Para 2007, o governo federal pretende expandir a cobrança para a bacia do rio São Francisco.

A racionalização do uso da água - outro objetivo da política de cobrança pelo uso deste insumo - ainda não é mensurada por falta de um cadastro mais específico e de uma troca de informações eficiente entre a Agência Nacional de Águas (ANA) e os comitês de bacia, órgãos responsáveis por definir se a cobrança é necessária e como ela será feita. A cobrança também está financiando cursos de educação ambiental, capacitação na gestão de recursos hídricos e controle de erosão.

Na bacia do Paraíba do Sul foram arrecadados R$ 23,7 milhões desde o início da cobrança em 2003. Entre os principais pagadores estão a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresas de saneamento, como a Águas de Resende (RJ) e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Volta Redonda (Saae-VR), e companhias de papel e celulose, como a Votorantim e a Nobrecel. Estão sendo arrecadados, anualmente, R$ 6,5 milhões, valor inferior aos R$ 14 milhões projetados quando a cobrança foi planejada e instituída.

Flávio Simões, coordenador técnico da Agência de Água da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Agevap), órgão responsável pelo monitoramento da cobrança e destino dos recursos, diz que essa diferença de valores não se deve a um erro de cálculo, mas sim ao cadastro ainda incompleto dos usuários. "Existe um universo significativo de usuários que não estão cadastrados. Não houve ainda uma segunda campanha de cadastramento, mas já estamos pensando em algo que estimule a adesão", diz.

A inadimplência é outro problema, chega a 18%. Segundo Simões, falta conscientização da importância do programa e maior divulgação. A agência optou por não punir os inadimplentes, pois acredita que ainda há espaço para diálogo pela novidade do programa. Na bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, a cobrança começou este ano e já atingiu R$ 9 milhões em 11 meses de arrecadação, valor superior ao da primeira bacia. A inadimplência menor, de apenas 1%, contribui para esse quadro.

A ANA semestralmente avalia os resultados apresentados pelas agências de bacia. "O plano priorizou projetos de saneamento porque o maior problema dessas duas bacias é o despejo de esgoto doméstico", diz Patrick Thomas, especialista em recursos hídricos e responsável pela área de cobrança pelo uso de água da ANA.

Roberto Carneiro de Morais, especialista em recursos hídricos da ANA que faz parte da comissão de avaliação do programa, conta que a primeira nota da bacia do Paraíba do Sul foi regular. Só que isso ocorreu mais por falta de referência da própria ANA para estabelecer indicadores do que por problemas na execução dos planos por parte da agência da bacia. "Em julho deste ano realizamos a primeira avaliação da bacia do PCJ e o resultado foi ótimo, porque já tínhamos mais experiência sobre o que poderia ser exigido", diz.

Jacareí foi a primeira cidade a ter uma estação de tratamento de esgoto (ETE) construída com recursos da cobrança pelo uso da água. O projeto total custou R$ 2,3 milhões, dentre os quais, R$ 1,2 milhões da cobrança e R$ 1,1 milhões de uma contribuição da Votorantim Celulose e Papel (VCP). O Serviço Autônomo de água e esgoto de Jacareí (Saae) paga R$ 30.886,56 por mês pela água captada do Rio Paraíba do Sul. Segundo a assessoria de imprensa, este valor representa pouco nos custos da autarquia, não chegando a 1% da receita.

Atualmente, pelo menos três projetos de esgotamento sanitário estão sendo realizados na região da bacia com recursos do programa, segundo Simões, da Agevap.

Em Guaratinguetá (SP), a 176 quilômetros da capital paulista, a obra custará R$ 5,3 milhões, sendo que R$ 2,4 milhões são oriundos da cobrança e o restante é custeado pela própria empresa e prefeitura. A obra aguarda a liberação da licença de instalação, que foi solicitada em junho deste ano. Segundo o diretor de Resíduos e Meio Ambiente do Serviço Autônomo de água e esgoto da cidade (Saaeg), Arnaldo de Souza Guimarães, os recursos da cobrança pelo uso da água ajudaram muito. "Estes recursos significam 52% do total que será investido nesta obra, planejada desde 1990."

Simões informa que a cidade mineira de Muriaé recebe R$ 1 milhão do programa para edificar sua ETE, que custará ao todo R$ 1,2 milhão, e em Cachoeira Paulista, a Sabesp construirá uma ETE com investimento de R$ 7,2 milhões, dos quais R$ 1 milhão é repasse da Agevap.

Mesmo assim, não foram alavancados tantos projetos como era esperado e Simões diz que muito se deve à diferença da arrecadação estimada e a efetivamente obtida.

Apesar da ANA, associações empresariais e sindicatos rurais terem dados sobre as empresas que captam água da bacia, Simões explica que como o processo de cobrança é novo, eles ainda não conseguiram fazer um cruzamento de dados para identificar os usuários não cadastrados. "Existem falhas, mas estamos buscando formas de conhecer esses usuários por meio de parcerias com essas entidades."

Thomas, da ANA, alerta que o usuário que demorar para se apresentar à agência da bacia não terá a dívida perdoada. "Quem não está cadastrado está ilegal, e quando for descoberto, precisará pagar toda a sua dívida", diz.

"Mas não queremos fazer terrorismo, queremos que quem capta tenha consciência da importância de contribuir", diz Simões, da Agevap. Ele admite que o que é arrecadado está longe de ser suficiente para recuperar a bacia, mas defende que a arrecadação também tem uma função educativa, de valorizar o uso do recurso natural.

Wilde Gontijo, assessor da diretoria da ANA, acredita que por causa disso deve estar havendo racionalização. "Pesou para os usuários pagar por água que não utilizavam", diz. Thomas, da ANA, conta que no começo do programa foi comum as empresas ajustarem seus pedidos de outorga, pois perceberam que costumavam requerer mais água do que precisavam. Segundo ele, houve também maior interesse das empresas em investir em tecnologia que tornavam mais eficientes o uso da água.

Quanto aos resultados físicos, o coordenador da Agevap, Simões, afirma que três anos e meio é pouco tempo para notar, mas que espera bons resultados no futuro por conta das iniciativas já existentes. "Hoje temos projetos para a bacia e estimulamos a aplicação de novos recursos em saneamento."

Além da União, dois Estados cobram pelo uso da água, Rio de Janeiro e Ceará. São Paulo e Minas Gerais estão em fase de implementação, em 2007 e 2008 respectivamente.