Título: Copiar o modelo da Gol pode não ter sido a melhor idéia para a TAM
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2006, Especial, p. A12

O caos aéreo protagonizado pela TAM na semana do Natal teve inúmeras causas, muitas alheias à empresa. Mas, em meio a uma crise sem precedentes do controle aéreo do país e às conseqüências do encolhimento brutal da Varig, fica cada dia mais patente que a companhia também foi vitimada por sua estratégia de negócios. Mais precisamente a busca frenética por ganhos de eficiência e redução de custos para se aproximar do "padrão Gol", sua principal concorrente.

A TAM não escondeu de ninguém nos últimos anos que tinha o objetivo claro de reduzir drasticamente seus custos e levá-los ao mesmo nível daqueles registrados pela Gol. A estratégia estava na boca do presidente, Marco Antonio Bologna, assim como dos demais executivos, e ficou documentada em apresentações feitas aos investidores.

"Na busca por margens melhores, no esforço para chegar perto do custo da Gol, a corda foi muito esticada", avalia uma fonte próxima à empresa. O diagnóstico feito por analistas e pessoas próximas à companhia consultados pelo Valor é que a empresa estava operando no seu limite, principalmente em relação à taxa de utilização de sua frota - o número de horas que seus aviões permaneciam no ar diariamente.

Nesse cenário, problemas relativamente pequenos, como manutenção de seis de seus 95 aviões, tiveram seus efeitos potencializados. "A malha aérea da TAM falhou", comenta fonte ligada à empresa. A chamada malha é a programação vôos a ser seguida pela frota diariamente. Quando se opera no limite da capacidade, qualquer falha isolada gera um efeito em cascata, complicando conexões e outros vôos que seriam realizados pela mesma aeronave.

Uma das principais medidas adotadas pela TAM para ganhar eficiência nos últimos anos foi aumentar o tempo que seus aviões permaneciam no ar. Uma máxima do setor aéreo é que avião no solo representa custo - porque não gera receita. A Gol surgiu em 2001 com uma taxa de utilização elevadíssima para os padrões nacionais - um dos pilares do modelo de baixo custo é justamente o giro máximo da frota.

A TAM saiu de uma taxa de utilização média de 9,5 horas voadas em 2002 para chegar a 12,6 horas neste ano (12,9 horas no terceiro trimestre). No terceiro trimestre deste ano, a Gol registrou taxa de utilização de 14,3 horas. A TAM já fazia planos de seguir nessa trilha e projetava ultrapassar as 13 horas em 2007. "Depois do ocorrido, a empresa terá que rever esse plano", destaca um analista.

Em apresentação a investidores neste mês, a TAM disse que o tripé da companhia para manter a liderança e a lucratividade estava apoiado em: baixo custo operacional, "indisputável" bom serviço e preços competitivos.

Na mesma apresentação, informou que hoje o custo do seu produto é 10% a 12% superior ao da Gol e que a meta é reduzir essa diferença para 5% dentro de um ano. "Nossas metas de custo são agressivas, mas o mapa dessa rota está dado", dizia o texto apresentado. "A TAM é uma empresa de muitos anos. Não muda da noite para o dia, de uma companhia aérea tradicional para uma de baixo custo. Não dá para ser a Gol", diz Daniela Bretthauer, analista do Santander Investment.

Um dos fatores que desencadearam o apagão da TAM na semana passada foi a necessidade de estacionar seis aviões para manutenção na quarta-feira, dia 20. Mas as falhas apresentadas eram simples e teriam sido solucionadas em cerca de meia hora cada uma. "Em condições normais, não seria motivo para tanto atraso nos vôos", diz um especialista.

Alguns dos aviões que tiveram que passar por manutenção foram aqueles incorporados nos últimos 40 dias. Foram aeronaves de segunda mão alugadas pela TAM para ocupar rotas deixadas pela Varig e fazer frente ao aumento da demanda nas férias. Aviões usados, mesmo depois de passar por um check-up, estão mais sujeitos a falhas.

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"Não basta aumentar a frota para crescer, é preciso se preparar para isso em todas as áreas da empresa", diz um especialista. "Houve uma seqüência de falhas e descaso com o público. A empresa tem que estar preparada, ter um plano B para realocar os passageiros", diz Bretthauer.

A concorrência não deve perder a chance de faturar em cima do fiasco da TAM. A Varig já tem divulgado comunicados à imprensa para informar que teve que socorrer os passageiros da TAM. A Gol, fiel ao seu estilo agressivo nos negócios, também não deve deixar por menos. "A Varig e a Gol podem aproveitar esse momento para atrair os clientes insatisfeitos", diz Mel Marques Fernandes, analista da Brascan Corretora. O que protege a TAM, pondera a analista, é a sua ampla dianteira. "Com 51,7% de participação doméstica, os passageiros não têm tantas opções."

Em meio à crise da TAM, ganhou força o argumento de que o mercado aéreo brasileiro não pode ficar refém de um duopólio. Problemas em uma empresa que detém mais de 50% do mercado afetam o setor como um todo e deixa o consumidor sem opções. A discussão, entretanto, não é tão simples, uma vez que os especialistas são unânimes em defender que o setor aéreo exige grande escala para tornar-se viável.

Na TAM, a avaliação é que o episódio arranhou terrivelmente a imagem da companhia. É o que dizem também especialistas. Para o consultor de imagem Luciano Deos, da GAD' Branding, se os transtornos tivessem atingido a Gol e, não a TAM, o impacto negativo dos episódios teria sido menor. "A imagem da Gol está associada a baixo preço. Já a marca da TAM está relacionada ao serviço. Paga-se mais na expectativa de ser bem servido. Uma falha como essa faz com que o passageiro questione o posicionamento da empresa", diz.

Depois dos recentes percalços, avalia-se que o histórico de atendimento de qualidade lançado por seu fundador, Rolim Adolfo Amaro, será colocado em xeque.

"Fica a impressão que a TAM vendeu uma imagem incoerente. Não é mais a empresa administrada por alguém que estende o tapete vermelho aos passageiros", afirma José Roberto Martins, consultor de marcas da Global Brands. "A empresa está diante de uma crise de marca."

Para Martins, o posicionamento da empresa durante os dias de maior caos também deve ser comparado pelos clientes ao da TAM presidida por Rolim. "Não se viu a cara de Bologna [presidente da TAM] em nenhum momento. Quando o avião da TAM caiu, em 1996, Rolim foi explicar o que estava acontecendo."

Nos últimos dez dias, a TAM perdeu mais de R$ 1 bilhão em valor de mercado. Apesar da reação negativa do mercado financeiro, só ontem a empresa colocou um comunicado no site de relações com investidores. Ontem, a ação da empresa subiu 0,24%, depois de ter despencado 11,35% na semana passada.

Pode-se dizer que houve um erro estratégico da TAM? Agora, avaliando os fatos pelo retrovisor, é fácil dizer que sim. Mas que orientação deveria seguir uma companhia que assumiu a liderança de um mercado que cresce a taxas de dois dígitos há anos, que tem como principal concorrente uma companhia que nasceu no modelo de baixo custo e que colocou suas ações nas bolsas brasileira e americana, sujeitando-se à pressão constante de investidores por resultados?

O modelo, até agora, era considerado um caso de sucesso. A empresa abocanhou metade do mercado doméstico, tornou-se líder no internacional e melhorou substancialmente todos os seus indicadores operacionais e financeiros. Até que falhou. Não se pode dizer que foi um erro dos executivos apenas. Quem conhece a empresa por dentro relata que acionistas controladores e conselheiros de administração fizeram enorme pressão por redução de custos nos últimos anos. Agora, é provável que conselheiros e executivos optem por sacrificar um pouco de margem para fazer uma correção de rota.